A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Débora Duprat afirma que proposta viola a ConstituiçãoA Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) discutiu, nesta segunda-feira (15), os impactos da redução orçamentária para as áreas de saúde e educação caso seja aprovada a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016. O texto engessa, por 20 anos, o reajuste dos gastos públicos – incluindo saúde e educação – por condicionar qualquer crescimento do orçamento à variação da inflação do ano anterior.
A maioria dos participantes considerou a proposta inconstitucional e “um ataque aos direitos humanos”. O único representante do governo interino afirmou não ser possível garantir que haverá redução orçamentária, porque ele considera voláteis as variáveis econômicas para definir os índices a serem aplicados ao orçamento.
A PEC 241/2016, proposta pelo presidente interino Michel Temer, está em análise na Câmara dos Deputados. A medida atinge em cheio a saúde e educação, por mudar os critérios para que os valores mínimos aplicados nessas duas áreas sejam corrigidos. Pela proposta, a recomposição orçamentária teria por base apenas a variação inflacionária. Hoje, essas despesas são constitucionalmente atreladas à arrecadação. Se a arrecadação de tributos sobe, maior será o orçamento da saúde e da educação. A PEC de Temer é, na verdade, um retrocesso. Mais uma proposta que não foi aprovada pelas urnas.
O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH, criticou a ausência de representantes do Ministério da Educação. Mesmo convidados, não compareceram ao debate, numa clara demonstração de que democracia é uma palavra que não faz parte do vocabulário do governo interino. Paim afirmou que fará nova audiência pública para continuar a discussão sobre o tema.
Violação de princípio
A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Débora Duprat, afirmou que o texto da PEC afeta o núcleo do próprio direito à saúde e à educação e é inconstitucional, pois viola o princípio do não-retrocesso. Segundo ela, a Constituição Federal de 1988 instituiu um modelo revolucionário de financiamento para transformar a educação e a saúde em serviços efetivamente públicos e que as formas como são distribuídos os recursos para esses dois setores constituem o próprio direito à saúde e à educação, o que será afetado caso a PEC siga adiante.
Débora lembrou que a situação atual da saúde, com a Emenda Constitucional 86, que cria subtetos de financiamento, já é ruim e fere a Lei Complementar 141/2012, que garante investimento na área em valor igual ou superior ao ano anterior, mesmo com Produto Interno Bruto (PIB) negativo. Segundo a procuradora, tanto a EC 86 quanto a PEC 86 têm o mesmo vício – retrocesso no financiamento – e a primeira já está sendo questionada na Justiça.
A representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Eli Iola Andrade, quantificou, segundo estudos de um professor da Universidade de Campinas, a perda para o setor se os novos índices propostos pela PEC já estivessem em vigor. “Seriam mais de R$ 3 trilhões que perderíamos se essa PEC tivesse sido aplicada no Brasil a partir de 2003. Então, não é brincadeira o que está se propondo”, afirmou.
Na opinião de Eli Andrade, o subfinanciamento do SUS é resultado de um conflito de interesses entre os setores público e privado e isso pode piorar caso a PEC seja aprovada.
Na mesma linha, Juliana Acosta Santorum, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), criticou a PEC 241/2016. Para ela, quando a saúde é vista como um setor de mercado, e não como um direito, a população é deixada de lado em favor dos empresários. “Nas eleições de 2014, as empresas Amil, Bradesco, Qualicorp e Grupo Unimed doaram, juntas, em torno de R$ 52 milhões para candidaturas de 131 parlamentares. Então, a gente sabe que muitas vezes se vê nesta Casa os interesses do mercado se sobreporem aos direitos da população”, observou.
Educação
Remi Castioni, representante do Fórum Nacional de Educação (FNE), mencionou que a população brasileira está envelhecendo e tendo menos filhos. Portanto, segundo ele, agora é o momento de investir em mais educação de qualidade, em especial no ensino médio. Daqui a 20 anos o número de crianças a serem matriculadas na educação infantil será menor que hoje, e os problemas da educação no futuro serão resolvidos, em parte, pela redução populacional e da “faixa escolarizável”, o que já está ocorrendo. Entretanto, ele lembrou que saúde e educação são políticas irmãs, estando intimamente ligadas – e a decisão sobre uma afeta a outra.
“Se chegarmos em 2037 com uma população com baixas taxas de escolaridade, um produto interno bruto per capita abaixo do que apresentamos agora, vamos ter dificuldades para enfrentar a velhice”, disse.
Francisco Saraiva, da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs), criticou o que chamou de “projeto de Estado mínimo” que teria sido imposto pelo presidente interino Michel Temer. Segundo afirmou, isso afeta somente a classe trabalhadora e mantém “burguesia e empresariado com direitos resguardados”.
Ele criticou a supressão de verbas para as duas pastas e alertou para o consequente sucateamento de estados e municípios, sobretudo nas regiões mais pobres do país, se a PEC for aprovada. Saraiva elencou projetos da educação que estarão em risco, como alimentação e transporte de alunos e, principalmente, a criação e manutenção de creches. Nos últimos anos, as creches promoveram a inserção das mulheres do mercado de trabalho, observou.
Governo
Único representante do governo provisório na audiência, Carlos Eduardo Sousa, do Ministério da Saúde, relativizou o temor da redução de recursos. Em sua opinião, todas as estimativas feitas tomam como base a Emenda Constitucional 86, que estabeleceu um percentual mínimo de investimento em saúde para a União, com base na receita corrente líquida.
“O comportamento da receita corrente líquida é bastante volátil, de modo que todo tipo de cenário que é previsto considerando essa receita tem uma característica de indefinição, de imprevisão bastante importante”, salientou.
Com informações da Agência Senado