Para lograr divisas na área tecnológica, o país precisa investir em educação, principalmente nas universidades, que são agentes da política de ciência e tecnologia. A afirmação é tratada como óbvia no meio acadêmico, e foi repetida em julho, na 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Mas não há o menor eco no Planalto. Nos últimos anos, o que ocorre é uma sucessão de cortes e contingenciamento de recursos que, nesse segundo semestre, comprometem até mesmo despesas básicas, como energia e segurança no campus.
“O país que não investe em ciência está condenado a ser escravizado”. A frase, que ecoa o pensamento geral, foi dita, acredite ou não, por Bolsonaro no último dia 18, em campanha eleitoral. O problema é que todos os números dos últimos três anos e meio mostram que o atual ocupante da cadeira presidencial fez exatamente o oposto do que disse. Nesse caso, nenhuma surpresa.
Bolsonaro é responsável por um retrocesso de mais de uma década nos investimentos federais em Ciência e Tecnologia. A área também foi a mais atingida pelo bloqueio de recursos do Orçamento nesse último ano. Isso, sem contar a perseguição a professores e pesquisadores, o desmantelamento da área de bolsas, o fim do Ciência sem Fronteiras e tantas outras ações de desmonte.
Cortes
Em 2022, o bloqueio orçamentário pode retirar das universidades federais R$ 1,6 bilhão. Nem mesmo bolsas e auxílio estudantil poderão ser pagos em 17 dessas unidades, prevê a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Já o orçamento discricionário – que não inclui despesas básicas obrigatórias – foi sendo reduzido nos últimos anos até chegar a R$ 4,4 bilhões em 2021. Para se ter uma ideia, dez anos antes, no governo do PT, essa destinação foi de R$ 12 bilhões.
“A crise na Educação não é uma crise, é um projeto”, demarcou o antropólogo, sociólogo, educador Darcy Ribeiro, cujo centenário de nascimento é comemorado neste 2022. É o que pensa, também, o senador Fabiano Contarato (PT-ES): “o sucateamento das universidades é, antes de tudo, um projeto deliberado: sabotar a educação é condenar o país à eterna miséria”.
Habituado a acompanhar a execução orçamentária e a tramitação de projetos da área no Congresso, o secretário executivo da Iniciativa pela Ciência e Tecnologia no Parlamento Brasileiro (ICTP), professor Fábio Guedes Gomes, confirma essa tese. Para Fábio Guedes, há, no Brasil, o duplo sufocamento do Ministério da Ciência e Tecnologia e do sistema público de universidades.
“A visão que temos no governo, hoje, é que não precisamos ter autonomia no desenvolvimento cientifico e tecnológico, porque a gente compra na prateleira internacional. Estamos em um projeto consciente de manter o país no atraso” – sustentou.
Riscos à vista
Ainda no ano passado, durante discussão do Orçamento 2022 no Congresso, Bolsonaro anunciou que o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia, até então com previsão de R$ 690 milhões, cairia para apenas R$ 89 milhões. A decisão foi uma pá de cal em milhares de projetos de pesquisa tocados pela Pasta. E comprometem o futuro da ciência nacional.
Já os cortes em série no orçamento das universidades apontam para outro problema: o endividamento das instituições. Só a Universidade Federal de Alfenas (Ufal) acumulará, ao fim do ano, um passivo de R$ 20 milhões, que terá que ser pago a partir de 2023. O retrocesso é tamanho que, para possibilitar um mínimo de organização dessas dívidas, reitores defendem que o orçamento para o próximo ano seja elevado aos níveis pré-Bolsonaro, quando as universidades tiveram R$ 5,7 bilhões para gastos discricionários.
Fim da gratuidade
Outros movimentos de Bolsonaro e sua trupe confirmam a política de destruição do setor. É o caso da proposta de Emenda à Constituição (PEC 206/2019) que tenta acabar com a gratuidade nas instituições federais de ensino. Em análise na Câmara, o texto governista aproxima as universidades da privatização, ao obrigá-las a cobrarem mensalidade.
O oposto do que foi feito nos governos do PT, que entre 2003 e 2016 atuaram para fortalecer o ensino público e gratuito. Foram 18 novas universidades federais e 173 campi universitários nesse período, o que permitiu quase duplicar o número de alunos: de 505 mil para 932 mil. No caso dos institutos federais, outra expansão histórica. Nos governos do PT foram implantadas mais de 360 unidades por todo o país.
Merenda escolar
Se nas universidades a conta de energia está ameaçada de calote, nas escolas até a merenda está comprometida. Há duas semanas, o veto presidencial atingiu o reajuste do valor da merenda escolar, aprovado pelo Congresso por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, documento que orienta os gastos da União para o exercício seguinte. Os valores, que não eram corrigidos desde 2017, ainda sofrem a maior corrosão dos últimos anos, em razão da alta histórica da inflação.
Entre outros argumentos, Bolsonaro alegou que o reajuste “contraria o interesse público”. Muitas famílias contam com essa alimentação escolar para a sobrevivência dos filhos, assim como contam com a escola para manterem os filhos longe das ruas.
Estudo do Instituto Natura atesta que, além da aprendizagem, a educação implica melhora de indicadores socioeconômicos. Até a taxa de homicídios entre jovens de 15 a 19 anos é impactada. A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) também pontua essa preocupação.
“A prevenção da violência é resultado de uma educação pública de qualidade. Qual é a pior doença do nosso país? É a desigualdade social. Acesso à escola, permanência na escola, tecnologia na escola, infraestrutura da escola. Sem investimento, não tem como fazer escola pública de qualidade e em tempo integral. Educação não é despesa, é investimento” – sintetizou a senadora.