A deterioração das contas das famílias brasileiras chega ao ponto crítico, com a população recorrendo ao crédito de curto prazo – e altos juros – para compensar a perda de rendimento. O alto nível de endividamento e comprometimento de renda gera retração no consumo, que por sua vez trava postos de emprego na indústria e serviços, criando um ciclo vicioso que não recebe a resposta devida do desgoverno Bolsonaro.
Sem investimentos públicos para impulsionar a atividade econômica, sem medidas anticíclicas para gerar emprego e renda e reequilibrar as peças da economia e com um ministro da Economia em descrédito, as perspectivas para o próximo ano são de piora de um cenário já destruído.
“Além dos níveis elevados do endividamento e do comprometimento, o que merece atenção para 2022 é o crescimento do crédito emergencial, que tem juros acima de 100% ao ano”, afirmou Isabela Tavares, economista da consultoria Tendências, ao Valor Econômico.
Segundo Isabela, essa modalidade de crédito, extremamente cara, composta pelo cartão de crédito rotativo e parcelado e pelo cheque especial, tem sido cada vez mais usada para complementar renda do consumo no dia a dia. Embora os volumes ainda não sejam tão preocupantes, a alta ocorre em um cenário arriscado, de mercado de trabalho ruim, aumento dos juros e endividamento crescente.
Isabela estima que o crescimento médio do crédito rotativo e parcelado foi de 4,9% ao mês de julho a outubro, contra alta de 2,2% de janeiro a junho deste ano. No mesmo período em 2020 (julho a outubro) houve queda média de 1,7%.
Outro dado, a pesquisa mensal da Confederação Nacional do Comércio (CNC), aponta que em novembro a proporção de famílias endividadas no cartão de crédito teve alta de 7,4 pontos percentuais, a maior da série do levantamento, chegando a 85,2%.
“Com renda curta, a população começa a usar cartão de crédito, entra no cheque especial. Acessa um crédito que talvez não usaria numa situação melhor”, explica Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Cartão de crédito sendo usado com intensidade no momento fraco da economia é um sinal de alerta, ainda mais com um cenário preocupante para 2022.”
Dados mais recentes do Banco Central (BC) “independente”, de agosto, mostram que o endividamento chegou a 60%, alta de 8,8 pontos percentuais em um ano. O indicador mede a relação entre o saldo das dívidas das famílias e a renda acumulada em 12 meses. O comprometimento de renda alcançou 30%, alta de 0,8 ponto percentual.
Ainda segundo a instituição, a taxa média do cartão de crédito da pessoa física teve alta pelo quarto mês consecutivo em outubro, com os juros anuais do rotativo alcançando 343,6% ao ano, o maior patamar desde agosto de 2017.
O crédito pessoal não consignado subiu 6,2 pontos percentuais, entre setembro e outubro, para 83,6% ao ano, enquanto as taxas dos empréstimos consignados para servidores públicos avançaram para 17,9%. O juro do cheque especial está em 128,8%.
Economia instável e Selic alta elevam custo do crédito
Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), disse ao Correio Braziliense que o aumento dos custos dos empréstimos para consumidores e empresas é esperado, porque reflete o cenário instável da economia e a elevação da Selic. “A Selic é um dos itens que compõem as taxas de juros cobradas pelo mercado. Os bancos estão repassando os custos superiores de captação”, afirmou.
Segundo ele, o consumidor continuará com dificuldades para contrair empréstimos. “As condições de crédito estão piorando desde o começo do ano, e os bancos estão sendo mais seletivos, temendo inadimplência”, revelou. Os consumidores também estão mais receosos, diante do desemprego e do custo de vida elevados, ressaltou.
Outro fator da piora do orçamento familiar é a queda da renda do trabalho, que neste ano deve chegar a 6,5% e, em 2022, a 2%, em termos reais, segundo estimativa da Tendências. Vale, da MB, prevê recuo de 2,1%, em 2022. Já o consumo das famílias, que puxa o PIB pelo lado da demanda, deve crescer apenas 0,5%.
“A economia vai crescer zero, a inflação vai ceder, mas ainda vai estar alta e ainda os juros vão encarecer o crédito. Para a população mais pobre a situação pode ficar mais complicada”, ressaltou o economista.
O programa Auxílio Brasil, prossegue ele, deve apenas impedir um quadro mais grave. “O Auxílio Brasil vai ser usado para consumo básico e pagar dívidas”, prevê Vale. “Evita uma recessão, mas a economia deve permanecer estagnada com as condições de juros, inflação, emprego informal, risco político e fiscal. Um cenário que não favorece o consumo e uma retomada vigorosa de crescimento.”
Com o pretexto de financiar o Auxílio Brasil, desde 20 de setembro o desgoverno Bolsonaro pratica um aumento “temporário” do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para operações de crédito, que deve vigorar até 31 de dezembro. Com isso, as pessoas físicas arcam com a alta do custo de empréstimos, rotativos do cartão de crédito e cheque especial. As pessoas jurídicas pagam mais por capital de giro e antecipação de recebíveis.
Nesta terça-feira (14), a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC revelou que os conselheiros avaliaram ajuste maior que 1,5 ponto percentual na Selic e cenário de juro alto por mais tempo na reunião da última semana. O órgão já indicou que deverá repetir a dose na próxima reunião, em fevereiro, para avançar “significativamente em território contracionista” e dar sequência ao agressivo ciclo de aperto monetário.