Desde abril do ano passado, o STF julga a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cujo objetivo é proibir de uma vez por todas as doações de empresas a campanhas eleitorais. A entidade afirma que esses repasses são inconstitucionais.
Como seis ministros se manifestaram favoráveis à ação, configurando a maioria do tribunal, Gilmar Mendes pediu vistas do processo. Consequentemente, atrasou o julgamento. Segundo ele, o tema da reforma política deve ser tratado no Congresso Nacional. Para Mendes, a Corte é chamada a opinar sobre diversos aspectos das regras eleitorais, como o financiamento de campanhas, mas as mudanças devem ser promovidas pelo Legislativo.
Mesmo concordando que é papel do Congresso Nacional fazer reformas no processo eletivo, o senador Humberto Costa (PT-PE), líder do PT no Senado, cobrou do tribunal o julgamento da ação movida pela OAB. Isso, porque é responsabilidade e uma das prerrogativas do Supremo fazer o controle da constitucionalidade das matérias relacionadas ao tema, ou seja, há mérito para que a ADI seja julgada pela Corte.
O senador Jorge Viana (PT-AC), primeiro vice-presidente do Senado, pediu que o ministro Gilmar Mendes se manifestasse sobre o pedido de vistas à ação. “Gostaria de ter algum comentário por conta da importância que tem essa matéria, inclusive nesse momento em que se discute Operação Lava Jato e financiamento ilegal de campanhas e de partidos políticos”, disse ele.
Em resposta aos parlamentares, Gilmar Mendes disse que o pedido de vista “será devolvido oportunamente” e, ao se esquivar, não informou uma data de quando isso deve ocorrer. “Há muitos outros temas em pauta no tribunal”, justificou.
Financiamento misto
Segundo Fátima, poder econômico também traz reflexos na representatividade feminina no CongressoNo debate sobre a reforma política, tanto Humberto quanto Viana afirmaram que são favoráveis ao financiamento misto de campanhas eleitorais com recursos públicos e privados, desde que sejam impostos limites de gastos. Além disso, as doações particulares devem ser feitos somente por pessoas físicas.
Segundo Viana, para que o processo político não seja regido pelo poder econômico, é preciso proibir o financiamento de campanha por empresas. Proposta de sua autoria Viana justifica que, como não é reconhecido o direito de voto às pessoas jurídicas, no caso as empresas, “tampouco deve ser facultada a elas a possibilidade de interferir no processo eleitoral, com impacto maior do que o da ação de qualquer cidadão”.
O petista também é favorável que seja alterada a regra atual em relação às doações de pessoas físicas, que limita o valor em 10% dos rendimentos brutos obtidos pelo cidadão no ano anterior ao pleito. A proposta de Viana é favorável à manutenção desse percentual, mas desde que seja limitado ao repasse de, no máximo, R$ 10 mil por pessoa física para candidatos. Segundo o senador, o objetivo é evitar doações fraudulentas por meio de laranjas. “Países que permitem contribuições de particulares para as campanhas estabelecem limites em moeda corrente relativamente baixos, de modo a equalizar a participação de ricos e pobres no processo”, explicou.
Humberto assinalou que é preciso haver flexibilidade para construir consensos em torno de uma reforma de proposta política. Ele explicou que, por exemplo, apesar de o Partido dos Trabalhadores ser favorável ao financiamento público, é preciso que sejam discutidas alternativas. Entre elas, o financiamento misto, em que o financiamento privado se faz por intermédio das pessoas físicas.
Humberto argumentou que os principais financiadores eleitorais são empresas que têm interesses em contratos com o setor público e nas decisões do Congresso Nacional. Segundo ele, doações de pessoas físicas não inviabilizam as campanhas e nem criam monopólios. “Quantos por cento das campanhas, por exemplo, de Barack Obama, foram financiadas por contribuintes individuais? Porque é que no Brasil isso não pode acontecer? A população, hoje, que está muito mais antenada, que discute muito mais, que se informa muito mais, porque ela não vai contribuir para os projetos nos quais ela acredita?”, questionou.
Uma mudança radical no sistema, na avaliação do líder, é necessária para que a população veja a atividade política como algo “nobre”. “Hoje alguns terminam sendo beneficiados pela leniência, ou da mídia, que procura identificar problemas em alguns com nítido olhar político, ou até mesmo em órgãos de controle”, disse Humberto, acrescentando que o modelo vigente está “inteiramente falido”.
Participação feminina
Para a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), a influência do poder econômico no financiamento das campanhas também traz reflexos na representatividade das mulheres no processo eleitoral. “A nossa participação está muito aquém do que a mulher representa. Certamente não é por falta de talento, de competência e nem de preparo das mulheres. Isso se deve exatamente a fatores como o problema da influência, do peso do poder econômico nas eleições”, afirmou.
Marta: mulheres não podem ser representadas por apenas 9,9% dos eleitos da Câmara e 16% no SenadoFátima lembrou ainda que os financiamentos de empresas a candidatos criam distorções, impedindo que os mais pobres tenham chances reais de conquistarem mandatos eletivos. Para ela, os reflexos são vistos até mesmo entre as eleições de mulheres no Congresso Nacional.
“Em 2002, mais da metade da bancada feminina era de mulheres que vinham da luta social, que não adentraram para a política pelo caminho do poder econômico. Hoje, é exatamente o contrário. Hoje, a maioria das mulheres que formam a bancada feminina – e eu não estou aqui fazendo nenhuma análise de caráter depreciativo, eu estou fazendo uma constatação do ponto de vista de uma análise sociológica – vem exatamente da tradição familiar, oligárquica, ou, então, porque conta também com forte aparato econômico”, disse.
A senadora Marta Suplicy (PT-SP) enfatizou que o debate deve ser voltado ao aumento da participação feminina no Parlamento. “As mulheres do Parlamento vão à luta, porque nós achamos que está na hora, chegou o momento de a mulher brasileira ter uma representatividade. Não podemos abdicar, como brasileiros e brasileiras, da competência feminina num Parlamento. Não somos iguais. Somos diferentes”, disse. Marta acrescentou que esse “olhar diferenciado” não pode estar representado com apenas 9,9% dos eleitos na Câmara e 16% no Senado.
Partidos políticos
A redução do número de partidos políticos também foi abordado durante os debates no Senado, como peça fundamental para o fortalecimento do processo democrático. De acordo com o senador Walter Pinheiro (PT-BA), o primeiro passo é estabelecer regras claras que levem a organizações partidárias fortes, consolidadas e enraizadas na sociedade.
“Apresentei uma emenda à Constituição onde eu trato a questão que tem a ver com o fundo partidário, com o financiamento de campanha e com a existência de partidos. Ora, partidos que são constituídos e que não elegem um parlamentar continuam recebendo o fundo partidário. Consequentemente, a existência desses partidos termina, de certa forma, favorecendo o dono do partido”, salientou.
Da forma que existe atualmente, o fundo partidário é transformado em renda pessoal. “Portanto, o partido vira um negócio, e não uma instituição partidária para interferir no processo eleitoral de forma democrática e para construir, na estrutura política, oportunidades, programas e projetos”, pontuou.
Reforma no sistema eleitoral
A sessão temática teve o objetivo de subsidiar os senadores na análise de dez projetos relacionados à reforma política que, segundo o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), serão incluídos na pauta do plenário em março.
Participaram do debate, além do ministro Gilmar Mendes, o cientista político Murillo de Aragão, e o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Abramo.
Murillo de Aragão defendeu um limite para gastos. “Não adianta proibir recursos de empresas. É preciso definir limite de gastos. E, quem doa, não pode doar mais que “tantos reais”. O importante é que seja limitado claramente em despesas”, disse.
“O partido vira um negócio e não uma instituição partidária”, disse Pinheiro
Em artigo publicado nesta terça-feira no jornal O Estado de S. Paulo, o cientista político destacou que o Brasil passa por uma crise no chamado “presidencialismo de coalização”, que garante governabilidade ao presidente da República eleito, assegura a aprovação das principais propostas de interesse do governo e evita que a oposição paralise politicamente o governo.
Segundo ele, o Brasil vive, desde o início do primeiro mandato de Dilma Rousseff, “uma crise em seu presidencialismo de coalizão, fruto de uma soma espantosa de equívocos políticos”. “Agora, no início do seu segundo mandato, a crise agravou-se pela incompatibilidade entre a gestão política adotada pelo Planalto e as expectativas dos aliados, pela deterioração do ambiente econômico e pelo temor que o petrolão desperta na comunidade política. A combinação de tudo isso pode gerar um sentimento de ‘salve-se quem puder’, deixando o governo mais isolado ainda”, afirmou, no texto.
Para que o País supere o presidencialismo de coalizão, senador Humberto Costa defendeu mudanças nas regras eleitorais. “Meu partido defende o sistema eleitoral de voto proporcional com lista fechada. Acho que precisamos flexibilizar, para que se possa construir alguma coisa que seja muito melhor do que isso que temos hoje, que não permite a construção da maioria por parte de quem vence a eleição presidencial e obriga a esse chamado presidencialismo de coalizão, que é uma aberração do ponto de vista político”, disse o petista.
Projetos
Já foram apresentados pareceres na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sobre as dez propostas de reforma política que serão analisadas pelos senadores. Dessas, apenas uma foi rejeitada, que é a PEC 55/2012, que institui o voto facultativo nas eleições do País.
Os temas abordados pelos projetos incluem, além do financiamento de campanhas e do voto facultativo, a prestação de contas eleitorais, a formação de coligações, datas de posse, critérios para criação de partidos e maior participação feminina.
Carlos Mota