A flauta de Akuanduba, divindade justiceira dos índios araras, tocou alto nesta quarta (19), e o chefe do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ricardo Salles, acordou com a Polícia Federal promovendo uma verdadeira devassa na autarquia. A bancada do PT na Câmara dos Deputados defende a instalação imediata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as denúncias de omissões e crimes cometidos por Salles.
“Diante da operação da PF, agora não tem volta: CPI já”, disse o líder do PT na Câmara, Elvino Bohn Gass (RS). “A CPI é crucial para investigarmos uma gestão que fez tudo para destruir o meio ambiente em todos os biomas do País, sem falar das suspeitas de envolvimento de Salles com organizações criminosas que agem contra a natureza, povos indígenas e quilombolas.”
Segundo a PF, 160 agentes cumpriram 35 mandados de busca e apreensão no Pará, no Distrito Federal e em São Paulo, incluindo endereços residenciais de Salles. Além dele, foram alvos dos mandatos o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, e nove ocupantes de cargos e funções de confiança no Ibama e no MME.
Deflagrada com base em informações da embaixada norte-americana no Brasil, a Operação Akuanduba investiga a exportação ilegal de madeira para Estados Unidos e Europa. Salles e seus subordinados são acusados de crimes contra a Administração Pública (corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e, especialmente, facilitação de contrabando). Além deles, empresários do ramo madeireiro fazem parte da organização criminosa.
A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Na decisão, ele determinou o afastamento preventivo de Bim e dos nove servidores, além da quebra de sigilos bancário e fiscal dos envolvidos.
Moraes também decretou a suspensão imediata do despacho nº 7036900/2020/GAB/IBAMA, emitido em fevereiro de 2020, que permitiu a exportação de produtos florestais sem a necessidade de emissão de autorização. Indícios apontam que o documento, elaborado a pedido de empresas com cargas apreendidas no exterior, resultou na regularização de oito mil cargas de madeira ilegal entre 2019 e 2020.
Naquele mês, Salles se reuniu com representantes da Confloresta e Aimex, além de um diretor da Tradelink Madeiras. Logo em seguida, houve “o atendimento integral da demanda formulada pelas duas entidades, […] legalizando, inclusive com efeitos retroativos, milhares de cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020”, descreve o ministro do Supremo.
Denúncia feita pelos Estados Unidos
Moraes detalhou trechos do ofício encaminhado pela embaixada americana à PF, segundo a qual a apuração teve início em janeiro de 2020. Na ocasião, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos (FWS) deteve para inspeção no Porto de Savannah, na Geórgia, três contêineres de madeira exportados do Brasil.
“Esta empreitada criminosa não apenas realiza o patrocínio do interesse privado de madeireiros e exportadores em prejuízo do interesse público, notadamente através da legalização e de forma retroativa de milhares de carregamentos de produtos florestais exportados em dissonância com as normas ambientais vigentes entre os anos de 2019 e 2020 mas, também, tem criado sérios obstáculos à ação fiscalizatória do Poder Público no trato das questões ambientais, com inegáveis prejuízos a toda a sociedade”, alega a PF em trecho reproduzido na decisão de Moraes.
Segundo o magistrado, a investigação “traz fortes indícios de um encadeamento de condutas complexas”, da qual teriam participado autoridade com prerrogativa de foro, agentes públicos e pessoas jurídicas, “com o claro intuito de atribuir legalidade às madeiras de origem brasileira retidas pelas autoridades norte-americanas, a revelar que as investigações possuem reflexos transnacionais”.
A PF revelou ainda “movimentações suspeitas” nos negócios particulares de Salles. “A representação [da PF] aponta a possível existência de indícios de participação do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em razão de comunicações ao COAF por operações suspeitas realizadas, também nos últimos anos, por intermédio do escritório de advocacia do qual o referido Ministro de Estado é sócio”, assinala o magistrado.
O Coaf vem sofrendo reveses desde 2019, quando foi transferido do Ministério da Justiça para o Banco Central. Há dez dias, Jair Bolsonaro cortou a verba que seria destinada pelo órgão à modernização de seu principal instrumento de identificação de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.
A decisão de 63 páginas baseia-se em parte no relatório da Polícia Federal que partiu da declaração de Ricardo Salles sobre “passar a boiada”, na fatídica reunião ministerial de 22 abril de 2020. No sábado (22) se completa um ano desde que o então decano do STF, ministro Celso de Mello, deu publicidade à reunião.