Enquanto crescem nos açougues as filas do osso, que será depois cozido na lenha, e milhões de desalentados desistem de procurar emprego, os sábios do mercado começam a “precificar” o desastre da política econômica do desgoverno Bolsonaro. Nesta semana, todas as projeções apontam que a economia brasileira vai crescer menos – tanto em 2021 quanto em 2022.
O Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (13) revisou para baixo a estimativa para o Produto Interno Bruto (PIB) pela quinta semana seguida. Para 2021, a expectativa dos analistas ouvidos pelo Banco Central (BC) passou para alta de 5,04%, ante previsão de 5,15% na semana passada. A estimativa para 2022 foi rebaixada para 1,72%, contra expectativa de 1,93% na semana passada.
Os motivos para a reversão são muitos. Começam pelo medíocre resultado do PIB no segundo trimestre (-0,1% em relação ao primeiro trimestre), passam pelos preços estratosféricos da energia elétrica e de combustíveis, se agravam com o descontrole inflacionário disseminado em todos os setores e a consequente alta dos juros e são coroados pela instabilidade política inerente ao bolsonarismo e pelas falas descoladas da realidade do ministro-banqueiro Paulo Guedes.
O Itaú Unibanco, por exemplo, reduziu nesta terça-feira (14) sua expectativa de crescimento da atividade em 2021 de 5,7% para 5,3%, e a de 2022 passou de 1,5% para 0,5%. O maior banco privado do país também passou a prever aumento do desemprego no próximo ano, subindo de 12,1% ao fim de 2021 para 12,5% em dezembro de 2022.
O banco elevou ainda a projeção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano, de 7,70% para 8,40%, e do próximo, de 3,90% para 4,20%. O indicador mede a inflação oficial do país. O banco espera três aumentos de 1 ponto porcentual da taxa básica de juros, a Selic, de setembro a dezembro, e alta de 0,75 ponto em 2022.
“A situação hídrica gera pressão adicional sobre a inflação corrente, via aumento das contas de luz, e também sobre a dinâmica de preços do ano que vem, através da inércia resultante de um IPCA mais elevado e do risco de novas medidas que visem à redução do consumo de eletricidade”, escreveu em seu relatório o economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita.
“A atividade econômica não se beneficiará mais do impulso advindo da reabertura do setor de serviços, algo que, na nossa visão, ficará restrito ao segundo semestre deste ano”, prosseguiu o Itaú. O pessimismo é compartilhado por outros analistas.
“Esperamos que alguns dos segmentos de serviços ainda impactados pela covid (em particular serviços prestados às famílias) se recuperem nos próximos meses, em conjunto com o progresso no programa de vacinação, reabertura da economia e estímulo fiscal renovado”, diz o relatório de Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs.
“No entanto, a aceleração da inflação, o aumento das taxas de juros, o aumento do ruído e da incerteza política, e a interrupção da tendência de alta na confiança do consumidor e dos empresários, podem limitar esse desempenho positivo”, ressalvou Ramos.
Inflação eleva juros, que derrubam investimentos e travam retomada
O banco BV (ex-Banco Votorantim) mudou a previsão de crescimento para o ano que vem de 1,8% para 1,5%. “Tínhamos a visão de que o dólar e as matérias-primas geravam choques temporários, mas mudamos a leitura a partir dos dados recentes de inflação”, explicou o economista-chefe do BV, Roberto Padovani.
Segundo ele, a inflação no patamar atual reforça os reajustes de contratos e gera uma inércia que contamina as expectativas para 2022 e 2023. “A inflação de serviços acelerou pela reabertura, mas a de bens industriais continuou pressionada. Esse acúmulo de choques jogou o IPCA em um patamar próximo de 10%, e o nível importa”, explicou.
“O BC vai ter que subir os juros até 9,0%. O ritmo ele escolhe. Esse aperto monetário vai ser reforçado por uma piora nas condições financeiras, que nos fez mudar o cenário de crescimento em 2022”, finalizou o economista.
No início do mês, o Banco Fator já tinha estimado avanço de 0,5% para o ano que vem, enquanto a estimativa para 2022 do JP Morgan passou de 1,5% para 0,9%. Também a XP reduziu a projeção de crescimento do PIB de 2022, de 1,7% para 1,3%.
Na apresentação do relatório mensal, o economista-chefe da XP, Caio Megale, afirmou que o risco fiscal e a inflação mais disseminada foram os principais vetores de revisão do cenário. Ele também citou o desemprego elevado e o baixo crescimento da massa real de renda como responsáveis por limitar a demanda por serviços no ano que vem.
“A taxa média de desemprego voltará ao nível pré-pandemia somente em 2023, e o nível de equilíbrio (pouco superior à 10%) deve ser atingido somente em 2025”, faz coro a MCM Consultores. A trajetória de aumento do desemprego leva sempre à queda dos rendimentos e da massa de renda.
Para 2022, avaliam os analistas da XP, o principal risco é a crise energética, já que o seu cenário-base não considera a ocorrência de racionamento. Os cálculos da corretora sinalizam que cada 10% de redução forçada no consumo de energia ao longo de um ano teriam potencial de retirar até 1,2 ponto porcentual do PIB.
“A crise energética pode piorar o cenário ainda esse ano, e aí, é imprevisível. Sabe-se lá o que vai acontecer, porque pega de tudo quanto é lado — pega a indústria, pega transporte, para não falar da restrição à agricultura”, acrescenta José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. “No agro, houve quebra de safra, e não há razão para imaginar que no ano que vem dá tempo de recuperar, e isso é menos PIB.”
“Podemos ter problemas ainda esse ano, mas vai afetar o ano que vem se a gente não tiver um período úmido razoável até fevereiro e março. Aí aumenta a chance de racionamento de energia, com consequências sérias para a atividade”, observa Flavio Serrano, economista-chefe da gestora de recursos Greenbay Investimentos. “Daí já seria um cenário de PIB zero ou negativo, e não de crescimento de 1% ou 1,5%.”
“Para o próximo ano, tem uma elevação das incertezas sobre o desempenho da atividade econômica. Não dá para descartar uma recessão técnica (dois trimestres seguidos de queda do PIB)”, concorda o economista da XP Rodolfo Margato.