A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgou inconstitucional a Medida Provisória (MP) que criou o Instituto Chico Mendes, embora revista, ainda deixa incertezas sobre o futuro desse instrumento essencial para o Poder Executivo. Além da existência legal do instituto, a decisão também anulou os prazos que fazem parte do rito seguido pelo Congresso, tanto nas comissões quanto no plenário da Câmara e do Senado.
No primeiro acórdão o STF também não deixou claro se sua decisão se estendia para todas as medidas provisórias que haviam sido aprovadas desde 2002, quando passaram a vigorar novas regras para o trâmite das MP no Congresso. Com isso, centenas de outras MP – mais de 400 – que incorreram no mesmo descumprimento ao texto legal poderiam simplesmente ser anuladas. Criou-se um ambiente de incerteza jurídica de proporções incomensuráveis, pois dezenas de decisões de governo, entre elas a criação de programas sociais como, por exemplo, o Brasil Sem Miséria, poderiam ser contestadas e perder validade.
Menos de 24 horas depois do primeiro acórdão, respondendo a interpelação do advogado-geral da União, Luís Adams, o Supremo procurou neutralizar a incerteza. Em um segundo acórdão, fixou que a decisão anterior valeria apenas a partir de 7 de março passado. Ou seja, todas as medidas provisórias editadas pelo Poder Executivo a partir desta data deverão ser examinadas pela comissão mista prevista na lei.
Mas não foi suficiente. A insegurança jurídica permanece. A questão fundamental, agora, tanto para o Congresso quanto para a Presidência da República. Paa o Poder Legislativo, é preciso saber se o Judiciário, ao eliminar prazos antes estabelecidos, compromete ou não soberania dos Plenários da Câmara e do Senado. Para o Poder Executivo, o que está em jogo é a eficácia e validade da medida provisória como instrumento de governabilidade.
É importante observar que, no novo enquadramento jurídico vigente deixado pelas duas decisões do STF, a comissão mista não tem competência para apreciar a matéria em caráter terminativo. Cabe-lhe, apenas, opinar. Mas se nada decidir, uma vez extinta a obrigatoriedade de cumprir prazos, estará automaticamente inviabilizando o exercício soberano pelos Plenários das duas Casas.
Resumo da ópera: o impasse só poderá ser contornado por meio de mudança no Texto Constitucional que assegure o amplo conhecimento da matéria pelos Plenários, após fixado o prazo, caso a comissão mista deixe de se manifestar sobre a medida provisória.
É importante registrar ainda, que, pela nova redação que se pretende dar ao art. 62 da Constituição Federal, de acordo com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 11, de 2011, já aprovada pelo Senado, a soberania dos Plenários de cada uma das Casas do Congresso está assegurada. Mais ainda: as mudanças aprovadas pelos senadores – que esperam pela avaliação dos deputados – apontam para a extinção da comissão mista exigida pela decisão do Supremo. Essa competência continua pertencendo às comissões permanentes da Câmara e do Senado. São elas que, pelo regimento do Congresso, estão incumbidas de opinar sobre a constitucionalidade das matérias. Ainda segundo as regras propostas na PEC em trâmite na Câmara, se essas comissões decidirem pela inconstitucionalidade da medida provisória, cabe recurso, que deve ser apresentado no prazo de dois dias úteis. Mas se a comissão não se manifestar, no prazo de dez dias, contados do recebimento da matéria, a apreciação de admissibilidade será transferida ao plenário.
Para o líder do PT no Senado, Walter Pinheiro, a confusão e a incerteza geradas pelos dois acórdãos do Supremo trazem a oportunidade para o Congresso definir – de uma vez por todas – vários problemas que ainda cercam o rito das MP, configurando uma excelente oportunidade para o Congresso estabelecer regras e, com isso, reafirmar a sua soberania.
“Toda essa confusão vem a calhar”, diz Pinheiro, “e cabe agora aos deputados corrigir as distorções criadas pela situação anterior e pelos próprios acórdãos do STF”. O maior problema, acrescenta o líder do PT, é a urgência que essas decisões exigem, pois nenhuma medida provisória poderá ser emitida pela Presidência da República – enquanto as novas regras não forem definidas e votadas pelo Congresso. “O engessamento criado por esse imbróglio”, acrescenta, “impede o Poder Executivo de tomar qualquer medida de caráter emergencial, como, por exemplo, as recentes medidas provisórias que foram editadas para socorrer milhares de brasileiros assolados pelas cheias no Acre”.
Ainda para o líder, os deputados também têm a grandiosa oportunidade de fixar e restabelecer a independência do Legislativo, diante da evidente demonstração do Supremo de desconhecer as regras de funcionamento do Congresso. A criação da comissão prevista no acórdão do Supremo, por exemplo, é inviável, sob risco de criar uma supercomissão com poderes que ultrapassam qualquer noção de senso democrático”.
Walter Pinheiro também antecipa que, na semana que vem, procurará deputados de todos os partidos para defender urgência na decisão sobre a PEC das MP, como a proposta ficou conhecida no noticiário. “Agora que o Supremo passou uma régua em todos os prazos, tem-se a chance de fixar tempo hábil para que as medidas provisórias sejam avaliadas e votadas com prazos factíveis, e não de afogadilho, como aconteceu muitas vezes no Senado”. Esta é, aliás, uma das queixas mais recorrentes dos senadores, sejam eles da situação ou da oposição. “Ao retardar o envio de sua decisão, a Câmara deixa os senadores entre a cruz e a espada; muitos votam sem o devido conhecimento da matéria porque sequer tiveram tempo de ler o teor da MP”.
“A chance de ouro de colocar as coisas em seu devido lugar e de resgatar a soberania do Congresso”, alerta o líder do PT no Senado, “enfrenta um sério desafio: a necessidade da Câmara decidir com urgência a PEC das MP. “Sem medida provisória, o Poder Executivo perde um de seus principais instrumentos”, afirma. “A governabilidade do Brasil é a grande oportunidade que os deputados têm neste momento”.