O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco/PT – BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, telespectadores desta hora da TV Senado, meu caro Senador Suplicy, ouvintes da Rádio Senado, primeiro, quero, aqui, fazer um registro importante. Ontem participamos, a Senadora Lídice da Mata, o Governador do Estado, o Ministro Afonso Florence, do Desenvolvimento Agrário, a representação do Ministério do Desenvolvimento Social, o Governador Jaques Wagner, o Vice-Governador Otto Alencar, de um grande ato na Bahia, lançando a segunda etapa do Programa Água para Todos, programa que, além de inspirar o programa nacional, na sua primeira etapa, investiu mais de R$2,800 bilhões, beneficiando quase três milhões de baianos. E, nessa segunda etapa, o programa fará investimentos da ordem de R$3,7 bilhões, numa estimativa de que quase cinco milhões de baianos serão beneficiados. E digo isso não só para o abastecimento d’água, mas é importante salientar também que teremos aí investimentos de grande vulto, principalmente para a área do saneamento.
E é importante salientar esse investimento e essa preocupação, até porque cada investimento em saneamento é prévio ou preventivo para ações de saúde. Então, é muito importante. Por isso quero deixar esse registro, Sr. Presidente.
Mas, Sr. Presidente, quero, nesta noite, falar exatamente de uma posição que estamos defendendo há muito tempo, no que diz respeito à equalização dos recursos públicos e privados destinados à área da saúde, e esse embate que aqui na Casa se estabelece sobre encontrarmos uma alternativa para a distribuição dos royalties, enxergando esses royalties do nosso petróleo, do pré-sal, como uma das principais fontes para que nós desloquemos, de forma vinculada, para investimento em saúde. E, claro, não seria suficiente todo esse deslocamento dos royalties do petróleo para a saúde. Necessário se faz também uma alternativa com outras fontes ou com parte de IPI que incide sobre diversos produtos, mas quero salientar aqui que essa posição é a posição exatamente para apresentar a correta Emenda nº 29, que será votada na Câmara dos Deputados, que começou aqui no Senado, mas que a gente encontre fontes de financiamento sem a criação de um novo imposto ou a volta da CPMF. Não nos interessa a volta desse novo imposto, interessa-nos, sobremaneira, encontrar, poderíamos chamar assim, uma cesta ou um conjunto de ações que esse conjunto possa financiar a saúde.
Aí basta a gente ver, é importante salientar, que o resultado das provas, por exemplo, que o Enem divulgou na semana passada confirma a evolução da educação pública no País. Por outro lado, esse resultado ou esses resultados evidenciam um aprofundamento do fosso que a separa do ensino privado. Portanto, essa mesma dicotomia entre ensino público e ensino privado também a encontramos nos usuários de planos de saúde. Portanto, assistimos aí aqueles que atendidos pelo sistema de operadoras, sendo que os serviços privados são de qualidade infinitamente superior aos prestados pela rede pública. Isso é notório. Não há nenhum problema. É importante inclusive que enxerguemos isso para a construção de caminhos, para que a saúde pública possa ser plena e de qualidade.
A situação não é diferente quando falamos da segurança privada, que, obviamente, atende parcela privilegiada ou exclusiva da população contra a maioria. Portanto, gastos infinitamente maiores nesses serviços privados do que em investimentos públicos são feitos na educação, na saúde e na segurança fazem a diferença.
A distância entre a qualidade dos serviços prestados por empresas privadas e aquelas que, constitucionalmente, obrigam ao Poder Público prestar esse serviço, é que é esse embate, todo esse encaminhamento de busca de recursos que ora, aqui no Senado, nós nos debruçamos.
Trago essa discussão exatamente em função da proximidade de o Congresso Nacional se manifestar quando da regulamentação da Emenda nº 29 sobre as fontes de recursos necessários para o financiamento da saúde.
O Ministro Haddad, da Educação, fala que o País investe 12 vezes mais em aluno da escola privada do que no da escola pública. Isso numa relação que assusta a todos nós, mas é real, meu caro Suplicy.
A correção dessa distorção somente será possível, e aí vou tentar demonstrar isso aqui, nesse nosso pronunciamento, se efetivamente adotarmos uma equalização per capita dos investimentos educacionais no setor público como no setor privado. Da mesma maneira, ou a mesma equalização deverá ser observada nos investimentos de saúde, segurança pública, nos serviços públicos, de modo geral portanto, se aspiramos, se desejamos melhores serviços públicos.
Virou chavão o questionamento da gestão dos recursos públicos na educação, na saúde, na segurança pública, para justificar a má qualidade dos serviços prestados pelo Poder Público. Portanto, nada mais falso. O problema não é e nunca foi só a questão de gestão. Mas é importante lembrar também o tamanho desse cobertor, a capacidade de financiamento.
A supremacia da qualidade dos serviços quando prestados pelo mercado deve-se ao fato de que seus recursos são diversas vezes maiores do que o disponibilizado nos orçamentos públicos. Esses serviços, na maioria das vezes, se destinam a públicos literalmente privados e restritos.
Portanto, a palavra do Ministro Fernando Haddad ficaria muito bem, e da mesma forma o Ministro Alexandre Padilha ou o Ministro José Eduardo Cardozo, poderiam verbalizar esses três temas fazendo a comparação. Mas é uma comparação, meu caro Suplicy, de universos diferentes, do ponto de vista da sua quantidade. Uma coisa é prestar segurança para um determinado setor, para uma camada pequena da sociedade, outra coisa é assistir 10 milhões de brasileiros, por exemplo, que vivem em São Paulo.
Portanto, o relatório divulgado na última terça-feira pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico aponta que, entre 2000 e 2008, o Brasil foi o País que mais aumentou gasto por aluno em educação, até o segundo ciclo, ou o chamado Ensino Médio. O aumento de 121% é o maior entre os 30 países que disponibilizaram recursos para a entidade. No entanto, os 48% de aumento dos gastos registrados com educação superior não foram suficientes para aumentar o crescimento de alunos, que foi de 57%.
Em termos percentuais do Produto Interno Bruto, de acordo com o Estudo Brasil, o país que apresentou maior alta, 1.8 percentual, nos gastos com instituições educacionais, entre os 32 países que apresentaram os dados, passando, portanto, de 3,5 para 5,3. No Brasil, assistimos o esforço de famílias de classe média para educar seus filhos, hoje discutimos na Comissão de Educação isso, a perspectiva de abrir para que estudantes de cooperativa possam ter acesso à bolsa do ProUni.
Ainda com base em dados do IBGE, estudo que apontou que no Brasil 1,3% das riquezas do PIB, ou seja, riqueza produzida em 2009, foram gastos com educação privada. A média da OCDE foi de ponto nove, meu caro Suplicy. Então, poderíamos fazer essa comparação com educação, com segurança, essa relação com ensino privado, em outras palavras, o setor público teria de triplicar os seus investimentos na educação para permitir, de forma muito clara, que o per capita no ensino se igualasse aos que são feitos nas escolas privadas.
E aí nós poderíamos ter a referência da Coreia, de outros lugares, a relação com as universidades públicas, a reserva, inclusive, efetiva de bons empregos, sejam públicos ou privados, para os “iluminados”, aqueles que vêm de escolas que preparam mais ou, no cenário de hoje, como todo mundo fala, em escolas particulares.
Então, é importante que tenhamos essa informação. Aí vai também para a linha da segurança pública, à medida que vamos vendo como é o investimento da Associação Brasileira de Empresas de Segurança e Vigilância. Existem no Brasil hoje 1.491 empresas, e esse tipo de serviço emprega algo em torno de 500 mil trabalhadores, Suplicy, 477 mil, para ser preciso, vigilantes são empregados. Esse número supera, por exemplo, os quase 412 mil policiais militares estimados pelo Ministério da Justiça, em todos os Estados brasileiros. Portanto, a segurança pública privada movimenta 15 bilhões, dados de 2009. A segurança pública, para o ano de 2011, tem estimado algo em torno de 9,4 bilhões, portanto menos.
Com relação à saúde, tema que considero importante, fiz essa comparação para termos ideia desse embate entre o público e o privado, investimento público e investimento privado, mas com relação à educação, cuja fonte de recursos vamos ter para nos debruçar proximamente, o Instituto de Direito Sanitário Aplicado informa, segundo dados relativos a 2009, que o gasto total de saúde foi de 270 bilhões, sendo 127 bilhões de recursos públicos e 143 bilhões de recursos privados – 127 bilhões de recursos públicos e 143 de recursos privados. Isso significa um gasto per capita de 1,48 para a população de 41 milhões de pessoas atendidas pela rede privada de saúde. Já o gasto per capita para o universo de 190 milhões de pessoas atendidas pelo SUS é de apenas R$731,00 ou menos da metade do que é gasto pelo usuário da rede privada. Óbvio, universo menor, recurso maior, o per capita tende a ser o dobro do que é o per capita do investimento feito para atender os 190 milhões de brasileiros do Sistema Único de Saúde.
Países que têm sistema universal gastam per capita na faixa de US$2.500,00 com atendimento à saúde. Se dolarizarmos aqueles R$731 a que me referi do per capita do SUS, ao câmbio da ordem de R$1,50, o gasto per capita do SUS seria de US$487,00, só que o dólar hoje já bateu a casa de R$1,79. Nessa proporção, menos de cinco vezes o que gastam os outros países com o sistema universal de saúde, é o nosso per capita.
A grosso modo, para equalizarmos os gastos per capita da saúde pública com a saúde privada, o orçamento do SUS precisaria mais do que duplicar, meu caro Senador Eduardo Suplicy.
A soma dos recursos públicos e privados representa exatamente 8,5% do PIB, sendo 4,5% de gasto privado e 4% do gasto público. Dentre os gastos públicos, a União entra com 46% e Estados e municípios com 27% cada um deles. Some-se aos gastos privados e reduza-se dos investimentos públicos a renúncia fiscal que anualmente é concedida por meio de deduções do Imposto de Renda. Em 2009, essa renúncia fiscal foi da ordem de R$12 bilhões – R$12 bilhões.
Estamos falando aqui, Senador Suplicy, em fazer partilha de royalties de algo em torno de R$8 bilhões. Estou falando aqui de uma renúncia fiscal de dozes. Temos ainda quatro a mais, ou seja, 50% do valor que hoje à tarde acabamos de discutir para fazer a partilha, a divisão dos royalties.
Com o fim da CPMF, o fosso entre os investimentos públicos e privados no setor de saúde só fez se aprofundar, é verdade. Daí a necessidade da criação de novas fontes de financiamento para a saúde com a regulamentação da Emenda 29. E quero salientar aqui correta a Emenda 29, porque vincula, obriga, exige, determina o gasto mínimo ou o investimento mínimo de Estados e municípios com a saúde, para evitar aquele tipo de manipulação em que cada um vai fazendo a escolha. De repente, fazer a roçagem de um determinado terreno no entorno de um posto de saúde termina sendo colocado como investimentos na saúde.
Então, é importante que criemos parâmetros, que fixemos paradigmas; ao mesmo tempo, critérios muito firmes e contundentes, para que a aplicação efetiva seja na saúde e não nos contornos ou nos atalhos encontrados por alguns para tentar justificar esse investimento.
Estamos diante de uma necessidade de busca de novas fontes sem inventarmos aqui a tal da volta da CPMF. Isso contraria o que estamos discutindo de não permitir, inclusive, aumento da carga tributária. Desoneramos folha, alteramos a condição de carga tributária para setores produtivos como a área de calçados, softwares e outras. Seria um contrassenso, num momento como este, aumentar a carga tributária.
Particularmente, tenho defendido o uso de recursos do pré-sal para o financiamento do setor, o financiamento da saúde. Alternativa, sem dúvida, eu diria, mais digerível do que a simples criação de um novo imposto ou uma nova CPMF, desvirtuada na destinação de seus recursos, desvirtuada desde a sua instituição. Os royalties do pré-sal, porém, além de finitos não seriam suficientes para a cobertura das demandas da saúde pública. Vamos perfurar poços. Muita gente fala em 300 bilhões do pré-sal, mas um dia acaba.
Então, é importante, sem abdicar desse importante pedaço para contribuir com a saúde pública no Brasil, ou seja, a nova divisão desses royalties, precisamos pensar também em outras fontes de receita que possam financiar a saúde pública, não de forma provisória, mas definitiva. O Governo já acenou com o aumento de impostos sobre bebidas e cigarros, indiscutivelmente, uma boa fonte. Espero até, na linha do que disse hoje aqui meu amigo Magno Malta, Senador, que as pessoas consumam cada vez menos e fumem cada vez menos. Então, se isso se processar, a queda na arrecadação nessa área deve ser acentuada.
E é importante que outros produtos entrem no rol. Vamos pegar aí a questão dos alimentos que também pressionam despesas do Estado com a saúde. Refiro-me especialmente àqueles alimentos que geram obesidade, como massas, ou aqueles que têm alto teor de sal ou intensivo uso de açúcar, por exemplo. Da mesma forma que fumo ou bebidas alcoólicas, parcela de tributos que incidem sobre esses produtos poderia ser igualmente destinada à saúde.
E vou concluir, meu caro Senador Suplicy.
Por exemplo, o IPI da indústria automobilística. Quantos acidentes. As pessoas vão parar nos postos. Então, a redução dos acidentes mais a cobrança dos impostos. É importante lembrar isso.
Da mesma forma, a dedução de gastos com saúde privada no Imposto de Renda poderia ser suprimida, aqueles 12 milhões a que me referi aqui, agora há pouco. Essa renúncia fiscal que financiou e agigantou o setor privado de saúde no Brasil. E faz muita falta.
O imposto sobre grandes fortunas, por que não?
Diante desse quadro, não nos resta alternativa que não identificar fontes de recursos que, de alguma forma, interajam com a saúde pública. A saúde pública no Brasil tem se revelado de baixíssima qualidade e em quantidade inadequada para atender à população, talvez porque seja destinada ao atendimento da parte mais pobre da população e de menor poder, inclusive, reivindicatório: sua capacidade de acessar, de ouvir, de ser informado e de agir.
O Ipea realizou um estudo no qual comparou os gastos com a saúde em diversos países. No Brasil, os gastos são 7,6% do PIB, por ano, com a saúde. Desses, 45,6% do setor público, e o restante corresponde aos gastos do setor privado, em vista de o universo de clientes do setor privado ser cinco vezes menor do que a clientela do SUS, essa equação precisa ser urgentemente invertida.
Logo, regulamentar a Emenda 29 é importante, mas também criar fontes alternativas para o financiamento da saúde pública é correto para que não cometamos aqui um crime de lesa-pátria, de deixarmos desamparada a maioria da população brasileira. Procurar fontes e não criar novos impostos, taxar o que tem, buscar onde é possível – e aí é onde está a nossa mão, Senador Suplicy –, fazer essa grande cruzada, uma nova distribuição de royalties, um novo pacto federativo, financiar a saúde e continuar tendo o Brasil com crescimento, gerando renda e prestando um bom serviço à população brasileira.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.