ARTIGO

PL do Veneno: um retrocesso

grave que o governo proponha a retirada dos órgãos da saúde e do meio ambiente do processo de regulação de agrotóxicos. No Brasil, um terço dos pesticidas utilizados inclui alguma substância proibida pela União Europeia
PL do Veneno: um retrocesso

Foto: Alessandro Dantas

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) alerta em artigo publicado pela Revista Focus os graves retrocessos no arcabouço regulatório dos agrotóxicos no País contidos no chamado PL do Veneno.  De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os agrotóxicos causam, em países em desenvolvimentos, 70 mil intoxicações agudas e crônicas que evoluem para óbito por ano.

“É grave que o PL do Veneno proponha a retirada dos órgãos da saúde e do meio ambiente do processo de regulação de agrotóxicos”, alerta o senador.

 

Confira a íntegra do artigo

O PL do Veneno, que será analisado pelo Senado Federal, traz graves retrocessos no arcabouço regulatório de agrotóxicos, em um país que é o quarto maior produtor de grãos e o que mais consome esses produtos no mundo. O tema ganha maior relevância e complexidade em razão do avanço da política de Jair Bolsonaro para o setor. O governo é responsável, em apenas dois anos, pela liberação de 30% dos mais de 3 mil agrotóxicos comercializados no país.

É inegável a importância dos agrotóxicos no controle de pragas e doenças que atacam a lavoura, com consequente aumento da produtividade por área plantada. Mas, é justamente a capacidade desses produtos químicos de agirem sobre a atividade biológica dos seres vivos, que requer um olhar atento dos órgãos de saúde e do meio ambiente sobre o tema. Afinal, no caso dos agrotóxicos, a linha que separa os benefícios agronômicos e os riscos para a vida é muito tênue.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os agrotóxicos causam, em países em desenvolvimentos, 70 mil intoxicações agudas e crônicas que evoluem para óbito por ano. Outros 7 milhões de casos de doenças agudas e crônicas não fatais estão relacionados a esses produtos. É ampla a literatura científica que associa agrotóxicos ao desenvolvimento de câncer, malformação e problemas no desenvolvimento das crianças, entre outros. E, no Brasil, um terço dos agrotóxicos utilizados inclui substância proibida pela União Europeia.

Por isso, o legislador assegurou uma atuação tripartite, envolvendo órgãos da agricultura, do meio ambiente e da saúde, na liberação de agrotóxicos. Esse trabalho conjunto procurou criar um colchão protetivo, em que um agrotóxico só poderá ser utilizado se comprovar eficácia agronômica, mas também se não destruir o meio ambiente, se for seguro para os trabalhadores rurais e não contaminar os alimentos ou deixar resíduos em quantidades tóxicas para os consumidores.

Nesse sentido, é grave que o PL do Veneno proponha a retirada dos órgãos da saúde e do meio ambiente do processo de regulação de agrotóxicos. É a Anvisa, por exemplo, que estabelece os equipamentos de proteção individual que devem ser utilizados pelos trabalhadores rurais na aplicação e no manejo de um agrotóxico e os limites máximos de resíduos permitidos em alimentos. O Ibama realiza atividades como a verificação do uso de agrotóxicos em diversos ecossistemas e a classificação quanto ao potencial de periculosidade ambiental.

O desmonte do sistema tripartite de análise é um erro ao relegar à saúde e ao meio ambiente o papel secundário de meros órgãos consultivos do processo, ignorando os efeitos nocivos dos agrotóxicos à vida. É evidente que a centralização do processo apenas no Ministério da Agricultura enviesa o debate em favor exclusivo dos interesses do agronegócio e dos fabricantes de agrotóxicos, como aponta o temerário mecanismo de registro temporário, previsto no projeto de lei.

Outro ponto nevrálgico é o fim da proibição expressa de agrotóxicos com características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas. Merecem destaque negativo ainda a não obrigatoriedade de registro de agrotóxicos destinados à exportação e flagrante inconstitucionalidade de restringir da atuação normativa e fiscalizatória dos estados e municípios sobre esses produtos.

As flexibilizações propostas no PL do Veneno estão na contramão do mundo desenvolvido, que tem caminhado para uma agricultura sustentável e com tecnologia agregada, que permite menos uso de pesticidas. A experiência internacional nos mostra que é possível conciliar desenvolvimento agronômico com a preservação da saúde e do meio ambiente. O Brasil não pode ser refém de um agronegócio ultrapassado e predatório, que não tem compromisso com a preservação da vida e com as gerações futuras.

Artigo originalmente publicado na Revista Focus

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