O Brasil assiste a explosão da desigualdade de renda, jamais identificada desde o ano de 1960, quando o IBGE passou a captar informações acerca do rendimento da população nos censos demográficos. O novo padrão de concentração da renda que emerge dos governos da segunda metade da década de 2010 transcorre de forma inédita, pois combina o decréscimo econômico com a desestruturação do mundo do trabalho e a elevação acelerada da pobreza.
Entre os dois golpes de Estado de 1964 e 2016 que comprometeram o regime democrático no país, encontram-se três distintos padrões de elevação da desigualdade da renda registrada pelo IBGE e medido pelo Índice de Gini (desigualdade variando de 0 a 1, sendo 1 a desigualdade extrema e zero ausência de desigualdade na distribuição pessoal dos rendimentos). Todos os três padrões possuem características próprias, conforme demonstrado a seguir.
No primeiro padrão registrado durante a ditadura civil-militar houve rápido crescimento econômico aliado à expansão significativa do emprego formal e à queda acelerada na taxa de pobreza. Apesar disso, o índice de Gini cresceu em média 0,8% cano ano entre 1960 e 1980, passando de 0,50 para 0,59.
Nesse mesmo período de tempo, a economia nacional cresceu ao ritmo médio de 7,1% ao ano e o PIB per capita em 4,3%, enquanto o emprego formal subiu 8,6% ao ano e a taxa de pobreza caiu 2,2% ao ano, em média. A taxa de inflação média anual registrada entre 1960 e 1980 foi de 40,7%.
No segundo padrão de elevação na desigualdade de renda, transcorrido durante a transição da ditadura para a democracia, destacaram-se a drástica crise da dívida externa, a desorganização das finanças públicas e a aceleração inflacionária. Entre 1979 e 1989, por exemplo, o índice Gini aumentou 0,9% como média anual, saltando de 0,58 para 0,64, respectivamente.
Em 15 anos de superinflação (1979-1994), o patamar médio de aumento anual no custo de vida foi de 734,4%, ou seja, 18 vezes superior ao vigente anteriormente (de 1960 a 1980). Durante esse mesmo período, a economia nacional registrou desaceleração com variação média de apenas 2,3% ao ano e de 0,9% ao ano no PIB per capita, que indicou praticamente uma fase de semi-estagnação da renda por habitante.
Ao mesmo tempo, a taxa de pobreza aumentou 1,1% como média anual e o emprego formal manteve-se relativamente estabilizado. Em compensação o desemprego aberto cresceu substancialmente durante a fase de superinflação.
Por fim, o terceiro padrão de elevação na desigualdade de renda que se apresentou explosivo desde 2015, com elevação média anual de 6,1% no índice de Gini que pulou de 0,49, em 2014, para 0,63, em 2019. Nesse período em referência, a economia decresceu 0,8% como média anual e o PIB per capita acompanhou a queda média de 1,5% ao ano.
Em sequência, a taxa de pobreza cresceu ao ritmo de 10,4% como média anual, enquanto a taxa de desemprego aumentou 20,1% ao ano, na média dos anos de 2015 a 2019. Para esse mesmo período de tempo, o emprego formal decaiu 1,6% como média ao ano, enquanto a taxa média de inflação foi decadente, pois passou de 6,4%, em 2014, para 3,4% esperado para o ano de 2019.
Em síntese, o governo Bolsonaro conduz o Brasil no momento de crescimento espalhafatoso na elevação da desigualdade de renda. Diferentemente dos anos da ditadura militar e da transição para democracia, quando o aumento no índice de Gini variou entre 0,8% e 0,9% como media anual, o crescimento da desigualdade atual tem sido de 6,1% ao ano, em média, ou seja, quase sete vezes mais rápido que nos dois padrões anteriores.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas