Durante o ciclo da industrialização nacional vigente entre as décadas de 1930 e 1970, os brasileiros desconheceram, na prática, a existência da palavra recessão. Somente as gerações após o ano de 1980 conviveram com três gravíssimas recessões que acompanharam precocemente a desindustrialização empobrecedora da nação.
Logo entre 1981 e 1983, por exemplo, o governo Figueiredo (1979-1985), o último do período de 21 anos da ditadura, provocou a primeira recessão desde a grande Depressão de 1929 que levou à queda interna no nível geral das atividades econômicas. Naquela oportunidade, a recessão se manifestou no formato da letra “W”.
Isso porque o traçado da curva que trata da evolução do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro apresentou três anos recessivos (1981-1983), seguidos por três anos de recuperação econômica (1983-1986), mais três anos de estagnação (1987-1989), outra recessão por três anos (1990-1992) e nova recuperação nos três anos seguintes (1993- 1995). O duplo mergulho recessivo imposto à economia brasileira no período de apenas 7 anos transcorreu devido aos distintos objetivos perseguidos por parte dos governos da época.
Enquanto o mandato de Figueiredo foi marcado pela “abertura para fora” da economia nacional, o governo Collor (1990-1992) caracterizou-se pela “abertura para dentro” da estrutura produtiva nacional. Ou seja, entre 1981-1983, as medidas econômicas adotadas visaram estimular o crescimento das exportações simultaneamente à contração das importações com o objetivo de gerar saldos no comércio externo necessários ao pagamento dos serviços do endividamento externo brutal provocado no período da ditadura.
No governo Collor, a política econômica voltou-se ao combate da superinflação, em grande parte resultante do programa do Fundo Monetário Internacional imposto ao governo Figueiredo para produzir enormes saldos comerciais. Para tanto, o Brasil se inseriu na globalização a partir de 1990 de forma subordinada e passiva, expondo sua estrutura produtiva nacional sem condições isonômicas de competição com a crescente oferta de bens e serviços importados a preços deprimidos.
Em síntese, as duas recessões (1981-1983 e 1990-1992) demarcaram os extremos da primeira década perdida ponto de vista econômico no século 20, cujos resultados alcançados forma pífios quando comparado com os objetivos originalmente estabelecidos.
A crise da dívida externa, por exemplo, somente foi resolvida 27 anos depois do seu início, em 2007, quando, sob o governo Lula (2003-2010), o Brasil passou de devedor para a condição de credor do Fundo Monetário Internacional (FMI). Já a superinflação que resultou do programa de recessivo do FMI de 1981-1983 foi estancada 13 anos, com o sucesso do Plano Real implantado em 1994 pelo governo Itamar Franco (1993-1994).
No caso da recessão de 2015 e 2016, ocorrida 25 anos depois da segunda, em 1990-1992, o seu objetivo apregoado no início do segundo governo Dilma, era o de ajustar as contas governamentais, cuja retração econômica contaria com a contenção dos gastos e investimento público. Com isso, a trajetória do nível de produção iniciada em 2015 passou a ser no formato próximo da letra “L” frente aos cinco anos de ausência dos sinais consistentes do crescimento econômico sustentável.
Neste início do ano de 2020, por exemplo, o nível de atividade geral da economia nacional encontra-se ainda abaixo do verificado em 2014, o que permitiu consagrar a primeira década perdida do século 21. Para que o Brasil possa voltar ao mesmo nível de atividade alcançado em 2014, possivelmente no ano de 2023, caso o desempenho econômico siga sendo o mesmo verificado entre 2017 e 2019.
Isso porque as condições internas de funcionamento da estrutura produtiva não indicam forças suficientes para superar o estágio de letargia, sem ânimo dos empresários para investir, não obstante a queda na taxa real de juros, a desvalorização cambial e o corte nos custos de produção. No cenário externo, não somente o saldo comercial apresenta queda significativa, como há saída significativa de capitais até então aplicados no Brasil.
Diante da fuga recorde de dólares, a economia não quebrou por conta dos governos petistas (2003-2016) que souberam construir uma sólida barreira aos ataques especulativos ao balanço de pagamentos do país. Não fosse isso, o Brasil poderia estar fazendo parceria com a Argentina no banco dos devedores ao FMI, pois neste início do governo Bolsonaro, as reservas externas já forma contraídas em quase 7% do seu total, ao passo que até novembro de 2019, 27 bilhões de dólares deixaram a nação, segundo Banco Central.
Márcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas, e presidente da Fundação Perseu Abramo
*Artigo publicado originalmente na Rede Brasil Atual