A Polícia Federal vai investigar a possível interferência do ex-presidente Jair Bolsonaro em operações do órgão contra filhos e amigos próximos. O objetivo é esclarecer se houve motivação política ou particular para as várias mudanças de comando na PF e de chefias de apuração de denúncias.
O senador Humberto Costa (PT-PE) foi às redes para repercutir a informação veiculada pelo jornal O Estado de S. Paulo, e lembrar o passado sombrio da PF sob o desgoverno anterior. “PF vai investigar Bolsonaro por interferência em operações que atingiram seus filhos e amigos. Durante a sua gestão, Bolsonaro trocou o diretor-geral da PF quatro vezes e foi acusado, inclusive por aliados, de agir para atrapalhar investigações”, pontuou.
O caso mais simbólico, e primeiro do que se tornaria uma série, foi denunciado pelo então mais notório aliado do ex-presidente, o ex-ministro Sérgio Moro, ex-juiz da Lava Jato considerado parcial pelo STF. Ele deixou o Ministério da Justiça atirando. Segundo ele, o então presidente exigiu acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência com informações sensíveis, cujo vazamento poderia comprometer investigações em curso.
Moro apontou como prova declarações do ex-chefe em reunião ministerial realizada em 22 de abril de 2020. Na época, o então presidente impediu a divulgação do vídeo do encontro e alegou ter tratado apenas da segurança da sua família. Após um mês de sigilo, o Supremo liberou o vídeo do encontro e o país conheceu as reais intenções do então presidente.
Aos berros, e batendo o punho fechado na mesa, Bolsonaro foi direto: “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”.
O alvo de Bolsonaro era a Superintendência da PF no Rio de Janeiro que, segundo ele, não estaria passando informações sobre investigações de seu interesse. De acordo com Moro, o então presidente teria dito que “queria” apenas esta indicação, podendo o ex-ministro “ficar” com todas as demais.
Faz sentido. Era ali que se desenvolvia a investigação sobre seu filho, Flávio Bolsonaro, e seu amigo Fabrício Queiroz, do escândalo das rachadinhas — esquema de corrupção por meio da devolução de salário de funcionários laranjas lotados no gabinete do então deputado estadual, cargo que ocupava até se eleger senador.
O anúncio de interferência se concretizou dois dias depois da reunião, em 24 de abril, com a demissão do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. Em seguida, Moro deixou o cargo de ministro, dizendo-se contrariado pela interferência do chefe. No entanto, ele mesmo já havia dado cobertura a denúncias graves contra o ministro do Turismo, Marcelo Antônio, contra o próprio presidente, por acesso a inquérito confidencial sobre o caso do laranjal do PSL em Minas Gerais, e contra o filho no caso da rachadinha.
Isso sem contar o serviço prestado ainda como juiz parcial, ao afastar Lula das eleições de 2018 e abrir caminho para a eleição de Bolsonaro. Ao largar a toga para se tornar ministro de quem ajudou a eleger, Moro confirmou sua parcialidade nas condenações sem provas contra Lula.
Na reunião de 22 de abril, Bolsonaro foi ainda mais longe e ameaçou os ministros. Mesmo tentando disfarçar, deixou claro seu objetivo de extrapolar os limites da legalidade no desempenho de suas funções. “Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma … urna extrapolação da minha parte. É uma verdade. Como eu falei, né? Dei os ministérios pros senhores. O poder de veto, mudou agora. Tem que mudar, pô”, disse.
O caso foi investigado pela própria PF, por determinação do STF. Após dois anos de investigação, a conclusão anunciada em março de 2022 foi a de que o ex-presidente não interferiu nas investigações,
Ameaças cumpridas
No total, o ex-presidente trocou o comando da PF quatro vezes, algo pouco comum. Além de Valeixo, ocuparam o cargo Rolando de Souza, Paulo Maiurino e Márcio Nunes.
Além disso, outras mudanças pontuais indicam interferência direta do então presidente em investigações envolvendo familiares e amigos.
O delegado Hugo de Barros Correa, ex-superintendente da PF no Distrito Federal, foi deslocado para uma função burocrática após investigar Jair Renan, quarto filho de Bolsonaro, no inquérito das fake news.
A delegada Silvia Amelia da Fonseca, então diretoria do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, deixou a função depois de dar andamento ao processo de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos dos Estados Unidos. O mesmo processo levou à demissão da delegada da Interpol Dominique de Castro Oliveira, que incluiu o bolsonarista na lista de procurados.
A investigação contra o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, acusado de acobertar e participar da extração ilegal e contrabando de madeira da Amazônia, também prejudicou dois delegados: o ex-superintendente da PF no Amazonas Alexandre Saraiva perdeu o cargo após denunciar Salles por crime ambiental, e o delegado Franco Perazzoni, que conduziu a operação contra o ex-ministro, teve seu nome barrado para assumir a chefia do combate ao crime organizado.
Também foi afastado o delegado Luis Flávio Zampronha, que coordenava as diligências nas investigações que apuram fake news e o financiamento de atos golpistas.
(Com Agência PT de Notícias e Estadão)