Já são dezenas de motociatas, expediente que Bolsonaro adotou em 2020, em meio ao agravamento da pandemia. Dezenas, também, de infrações de trânsito, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Se fossem aplicadas, além do custo de cada multa (R$ 293,47), o ocupante da cadeira presidencial teria tido a habilitação suspensa. Mas a falta de capacete ao pilotar moto, ou o uso de equipamento não autorizado, foi até agora ignorado por autoridades policiais de todas as esferas, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF), polícias militares estaduais e guardas municipais.
Na tentativa de frear o absurdo estimulado, senadores protocolaram representação junto às Procuradorias Regionais da República em Goiás e no Espírito Santo, estados que abrigaram recentemente esse tipo de evento, para cobrar investigação sobre o que pode ser classificado como omissão da autoridade policial. Antes, os parlamentares haviam buscado a Procuradoria Geral da República (PGR), que, no entanto, recusou a análise do processo, recomendando que ele fosse levado ao Ministério Público Federal (MPF) nos estados em que ocorreram os episódios.
As representações ao MPF em Goiás e no Espírito Santo são encabeçadas pelo líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), e assinadas pelos demais membros da bancada e pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Eles solicitam a apuração de responsabilidades e a notificação da PRF e do Departamento de Trânsito dos dois estados para obter informações e documentos que ajudem a esclarecer o porquê do tratamento diferenciado da polícia com Bolsonaro. Para os senadores, há a suspeita de quebra de princípios da administração pública, como legalidade, moralidade e impessoalidade.
“A Polícia Rodoviária Federal é uma instituição policial cuja principal função é garantir a segurança dos cidadãos e zelar pelo cumprimento da lei nas rodovias federais e em áreas de interesse da União” – ressaltam os autores da ação, que estendem o pedido de investigação às demais forças de segurança pública, “inclusive de fiscalização do trânsito, de competências federal, estaduais e municipais”, que teriam feito vistas grossas às infrações enquanto prestavam serviços de escolta aos participantes do evento.
As redes sociais mostram que a impunidade fez espalhar o mau exemplo presidencial. Há vários registros de apoiadores de Bolsonaro em passeios de moto sem uso de capacete. Inclusive de pré-candidatos nas eleições de outubro nos estados. Nas imagens, exibem a infração com orgulho e não parecem temer abordagem policial. É o exato oposto do que aconteceu com Genivaldo de Jesus Santos, parado pela PRF na região sul de Sergipe, em maio, por pilotar moto sem capacete. Paciente de esquizofrenia, Genivaldo foi agredido e morto por asfixia, sem direito à defesa. De lá para cá, Bolsonaro desfilou de moto sem capacete em oito oportunidades, sem ser abordado pela polícia.
A favor da morte?
Afora a impunidade – um duplo mau exemplo -, há o aspecto da saúde pública. Motociclistas estão entre as maiores vítimas no trânsito. Num acidente, quem está numa moto tem 20 vezes mais chance de morrer do que um ocupante de carro. Isso, com capacete. Sem o equipamento, o risco é multiplicado por 60. A conclusão é da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), que se empenha em reafirmar que capacete salva vidas. Também o Ministério da Saúde tem estudos indicando que o uso correto do equipamento – não é o caso do capacete aberto, utilizado uma ou outra vez pelo presidente – pode prevenir cerca de 69% dos traumatismos crânio-encefálicos e 65% dos traumatismos da face.
No jogo da saúde e da segurança, o presidente retrocedeu mais algumas casas ao vetar, em fevereiro, projeto de lei (PL 130/2020) que proibia a divulgação, em redes sociais, de gravações de infrações de trânsito que coloquem em risco a vida das pessoas. A proposta previa penas para essas condutas. Mas, para o presidente que pilota sem capacete – imagens que seriam proibidas pela lei vetada – esse tipo de medida representaria censura prévia.
Na internet, é comum encontrar vídeos de infratores que, como o presidente e seus seguidores, orgulham-se de cometer infrações – e até crimes – no trânsito. Muitos desses vídeos são, inclusive, monetizados, e rendem dinheiro, em vez de penas, aos responsáveis.