Com fertilizantes naturais, ou remineralizadores, uma nova política de mineração pode garantir a soberania nacional sem poluir o meio ambiente. O tema foi debatido no último dia 24 de março no segundo encontro do ciclo de debates promovido pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento (SMAD) do PT e pela Fundação Perseu Abramo (FPA), com apoio da Escola Nacional de Formação.
O geólogo Cláudio Scliar começou o debate arguindo sobre o significado de “sustentável”, termo apropriado pelo mundo empresarial e muitas vezes desvirtuado. Esse conceito deve contribuir para a organização dos trabalhadores com formação crítica. Ele alertou que as questões, compromissos e propostas para um programa de esquerda para a Presidência da República devem estar também inseridos nos programas e compromissos de deputados, senadores e governadores.
Sciliar identificou que os grandes riscos para uma mineração sustentável, responsável e soberana para o Brasil são a destruição da capacidade de atuação do Estado, da política de ciência e tecnologia e da legislação ambiental. Ele apontou a PEC 32 como uma emenda à Constituição com “o objetivo de avançar o Estado mínimo no Brasil, reduzir o Estado, objetivo fundamental para o neoliberalismo”.
“Felizmente o governo não conseguiu passar a PEC 32 no Congresso, que teria o efeito de destruir o Estado, com a não realização de concursos e esvaziamento de órgãos federais, estaduais e municipais, comprometendo os instrumentos de controle, planejamento, fiscalização das atividades minerais, com a redução da capacidade de atuação dos órgãos. Não aprovaram a PEC, mas mesmo assim o governo já afetou a atuação desses órgãos”.
O geólogo ressalta que para termos uma política ambiental séria precisamos do servidor que possa fiscalizar, exigir o cumprimento das leis e das garantias ambientais. Por outro lado, o Brasil não tem um percentual de servidores públicos alto, está bem abaixo da média da OCDE, e mesmo assim não se realizam concursos públicos, capacitação, nem se ofertam bons salários.
Mineração é essencial
Na opinião do gestor público dos governos Lula e Dilma, “a mineração é essencial, mas os interesses empresariais se sobrepuseram e tentaram influenciar a legislação ambiental, com flexibilização de leis que foram conquistadas ao longo das décadas, desde a Constituinte de 1988, e destruição da capacidade de fiscalização, planejamento, avaliação da política de mineração, como por exemplo com o esvaziamento do Instituto Geológico Brasileiro. O fortalecimento do Estado deve servir às necessidades do povo brasileiro, e não ao empresário.”
O geólogo questiona a indicação de 28 minerais estratégicos para o Brasil, flexibilizando o licenciamento ambiental da exploração, com implantação de projetos de minerais estratégicos. Em fevereiro, o PT se mobilizou contra a agenda de devastação ambiental do governo Bolsonaro, o chamado Pacote do Veneno, que, além de ameaçar abrir terras indígenas para grandes empreendimentos, trabalha para afrouxar o licenciamento ambiental.
Para Sciliar, a prioridade deve ser dada pela Agência de Mineração e pela CPRM, mas é preciso ter transparência nesses licenciamentos. Ao mesmo tempo, o governo hoje discute um Plano Nacional de Mineração 2050, por meio de um grupo de trabalho cujo trabalho deveria ter se encerrado em novembro passado. No entanto, está em vigor o Plano de Mineração 2030 feito no governo Dilma, elaborado com participação popular,ao contrário do atual.
Cláudio salienta que se deve ter uma outra política de mineração, com transparência e participação popular. “Não pode deixar de haver um Conselho Nacional de Política Mineral (popular, soberano), com prioridade para a mineração, que escuta e decida. Este deve trabalhar contra a mineração clandestina e criminosa, tanto dos grandes quanto dos pequenos e ser uma força no trabalho de apoio aos trabalhadores, que estão na legalidade ou querendo ser legalizados pois não há esse apoio à produção doméstica dos pequenos mineradores do Brasil”, afirmou.
A redução de recursos para a pesquisa, em órgãos como Capes e CNPQ, afeta o presente e o futuro do Brasil, segundo o especialista. Ele afirma que a falta de investimento em pesquisa afeta o coração da mineração, que depende de novas tecnologias para a exploração e para a proteção ambiental. “A redução de investimento na Ciência é um dos maiores crimes perpetrados contra o Brasil”.
Remineralizadores de solo
Suzi Theodoro, professora da Universidade de Brasília (UnB), trabalha desde os governos do PT com os remineralizadores de solo, num vínculo a ser construído entre o setor mineral e agrícola para garantir a soberania nacional com fertilizantes minerais e proteção ao meio ambiente. Ela afirma que o Brasil é um dos maiores exportadores de produtos pouco ou não processados e que “somos grandes importadores de insumos industrializados, e nessa categoria de importadores somos o quarto maior importador de fertilizantes – cerca de 96% do potássio usado no Brasil é importado”.
“Somos um dos maiores exportadores de produtos semiprocessados: ferro, nióbio, soja, milho, café, e grande importador de insumos industrializados, em especial fertilizantes à base de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), sendo o 4º maior importador de fertilizantes solúveis. Hoje, Canadá, Rússia e Bielorrússia são os principais produtores de potássio (k), e com o conflito do leste europeu, envolvendo os dois últimos, acentuou-se a escassez. Nos últimos três anos os preços do potássio aumentaram cerca de 265%. Com essa situação, a produção agrícola está de joelhos devido ao encarecimento e à guerra com as sanções decorrentes”, explica.
Suzi enfatiza que o governo, em vez de estar construindo alternativas para tornar o país mais autônomo em relação a essas importações, propôs o Projeto de Lei 191, que destruirá as terras indígenas.
“O Instituto Brasileiro de Mineração se colocou contra o projeto de lei que libera mineração em terras indígenas. O governo usa um discurso falso de que o potássio estaria nessas terras. Questões técnicas de dificuldade e uso de água que é descartada nesse tipo de exploração, e não tem onde ser descartada, precisariam ser contornadas, e mesmo assim não há potássio nas terras que o projeto procura liberar”, afirmou.
As pesquisas chegaram à conclusão de que “a remineralização dos solos pode ser entendida como um intemperismo reverso ou um banco de nutrientes, que potencializa o uso de fontes disponíveis local ou regionalmente mais baratas e que favoreçam a obtenção de produtos de melhor qualidade nutricional, em um processo facilita a recuperação de áreas degradadas e o sequestro e armazenamento de CO2 da atmosfera”.
Grandes poluidores
A especialista ressaltou que os fertilizantes tradicionais serão lembrados como grandes poluidores com carbono e na degradação de rios e mares. As fontes convencionais de fertilizantes “tem as características de alta solubilidade, altas concentrações, oferta reduzida de nutrientes, com efeito residual breve/ausente, custos elevados e efeito de salinização dos solos e emissão de gases (NOX e CO2) formadores do efeito estufa. Enquanto isso, os remineralizadores têm baixa solubilidade e baixas concentrações, ampla oferta de nutrientes com efeito residual prolongado e custos reduzidos, além de ser um produto nacional que fortalece o sistema solo-planta-microrganismos e captura e armazena CO2”.
“No confronto entre fontes tradicionais e de remineralização, temos um viés ideológico que esconde a superioridade dos remineralizadores, para garantir os lucros dos fertilizantes das fontes tradicionais, mas a alternativa da rochagem, as rochas moídas, com oferta muito ampla de nutrientes, que pode substituir os fertilizantes tradicionais e o impacto ambiental, é perfeitamente viável.”
Movimento social
Jarbas Vieira, da Coordenação Nacional do Comitê Nacional de Defesa dos Territórios Frente a Mineração, salientou que o movimento social pode dar uma contribuição mais programática sobre os conflitos da produção da mineração.
Ele destacou que o Projeto Brasil Popular tem um grupo de trabalho sobre mineração que trabalha com desenvolvimento e sustentabilidade, tema complexo e difícil, sendo que muitas vezes esses dois termos são apresentados como antagônicos. Para Vieira, é preciso avançar num projeto nacional, que não seja calcado apenas nos interesses econômicos.
“As mineradoras se caracterizam por ter grande evasão, elisão e sonegação de impostos, e provocam um barateamento dos minérios que não interessa ao Brasil, apenas às potências centrais para as quais nos tornamos apenas fornecedores de minérios brutos. A Lei Kandir precisará ser revista se quisermos ter realmente uma mineração que produza desenvolvimento e distribuição de renda e evitarmos a forte reprimarização da economia”, afirmou.
“As taxas e ritmos da exploração mineral no país devem estar subordinados ao provisionamento de recurso para plano de fechamento de minas, o que não existe no Brasil. Muitas minas abandonadas com danos ambientais e sociais estão presentes em território nacional. O crime em Mariana não teria acontecido caso ocorresse um provisionamento da taxa máxima de exploração por ano, pois a barragem não aguentava essa aceleração da exploração, com aumento da exploração de força de trabalho e excesso de rejeito produzido.”
Ao lado disso, “deve haver uma consulta livre e breve, informada às comunidades e a proteção às áreas protegidas. Contrariamente a esses princípios mínimos, há medidas do atual governo federal para permitir a flexibilização da exploração mineral sem respeito aos povos indígenas e quilombolas e degradação ambiental. O setor da mineração é o que mais mata, contamina e enlouquece os trabalhadores, e com muita terceirização e precarização do trabalho. O objetivo do movimento é melhorar as condições de vida da classe trabalhadora mineira”, explicou Vieira.
Barragens de rejeito
Na visão do Comitê Nacional de Defesa dos Territórios Frente a Mineração, “não se pode permitir mais a constituição de barragens de rejeito. Em MG há 60% das barragens do país e 90% estão em situação de emergência, com sirenes tocando a todo momento e provocando o adoecimento mental das populações. Nem a Agência Nacional de Mineração sabe a quantidade de barragens abandonadas. Não há alternativas para acabar os rompimentos de barragens, para melhorar a qualidade de vida das populações. Precisamos ter um mecanismo e limite para as mineradoras perderem os títulos de funcionamento no Brasil e para o Estado recuperar sua capacidade de gestão. As empresas transformaram o Brasil num grande carrossel para as grandes mineradoras, pois aqui não há uma política firme de controle, fiscalização da legislação, escuta e controle social”.
Terra arrasada
Eduardo Armons, presidente da Federação de Trabalhadores Urbanos e Infraestrutura de Minas Gerais, salientou que num eventual próximo governo Lula o Brasil vai encontrar uma situação de terra arrasada na área ambiental.
“Há um processo intencional de desorganização das atividades produtivas, trabalhando num processo de exploração selvagem, uma herança e realidade de capitalismo de terra arrasada, esvaziamento do Estado e dos movimentos dos trabalhadores. A mineração extrai minérios e retira direitos dos trabalhadores e das comunidades. Uma atividade que não investe em pesquisa e ganha lucro em cima da exploração das pessoas e do meio ambiente”.
Armons lembra que há “setores empresariais organizados, muito bons para fazer discurso sobre empreendedorismo, sustentabilidade, mas na prática apoiam o aumentam da terceirização, da precarização de direitos trabalhistas e da legislação ambiental. Trata-se de mentalidade extrativista atrasada, compondo maioria desse setor. A agenda legislativa da CNI não tem pauta de estímulo à pesquisa científica, mas apenas de retirada de direitos. Por isso mesmo, depois da eleição continuaremos a enfrentar esses problemas com a maior parte dos setores empresariais.”
O dirigente sindical dos trabalhadores questiona que, “caso queiramos verdadeiramente ter uma lógica para ter um programa que aponte um desenvolvimento sustentável, é preciso pegar os dados ambientais e sociais e a produção da mineração. Das 68 mil barragens no Brasil, o setor público não sabe nada sobre 60% e continuaremos a ter outras Marianas e Brumadinhos, barragens sem qualquer rigor técnico nem compromisso com os trabalhadores e as comunidades. Nos últimos 10 anos houve em Minas pelo menos 5 rompimentos, atingindo 4 grandes rios, Verde, Cataguazes, Doce, Vale do Paraopeba; 300 mortos devido aos rompimentos de barragens, fora outros acidentes, 5 mil pessoas deslocadas e centenas de milhares de atingidos.”
Apesar disso, Eduardo Armons explica que não podemos prescindir da mineração. O processo produtivo em qualquer sistema econômico depende da exploração de minerais e metais para ter indústria, mas é importante ter a noção do que será o atingimento da população e do meio ambiente, a contaminação, o atingimento dos lençóis freáticos, o uso em larga escala de mineriodutos. Deve-se entender para atuar numa proposta alternativa de mineração, com diagnóstico geral, minorar os impactos, apontar novas situações e alternativas, garantir tratamento à saúde devido aos impactos e segurança no trabalho.
“Outros países que já trabalham a segurança da população, dos trabalhadores e do meio ambiente não têm a lógica da autodeclaração do empresário para ter autorização de extrair o que quiser e da maneira que quiser; deve haver licença ambiental, respeito a uma legislação ambiental rigorosa. Não se deve entregar a responsabilidade apenas para o Estado, e os movimentos sociais devem ter posicionamentos e ações próprias”, afirmou.
Armons informa que “não basta ter os fiscais ambientais, mas precisa da atuação dos sindicatos, com uma mesa nacional de negociação, e os movimentos devem ter voz junto aos empreendimentos e ao governo. É importante apostar na sociedade na formação de cientistas. Realizar uma conferência nacional de mineração para que a política pública efetiva seja assumida com participação popular, como se conseguiu na saúde e educação. Não resolveremos todos os problemas, mas podemos minorar os impactos e acumular para um novo período com um movimento forte, com associações, sindicatos e igrejas.”
Ele também fez coro pela extinção da Lei Kandir, mas será um esforço legislativo que talvez não consiga ter êxito devido à forte pressão econômica do setor mineral junto ao Congresso. Para ele, deve-se ligar os impostos de exportação para as áreas/territórios de exploração. Precisa apenas de uma decisão governamental, vinculada a um projeto que faça um levantamento dos impactos ambientais, alternativas para geração de renda para outras atividades minerais estratégicas.
“O Brasil deve priorizar o investimento em ferrovias em vez de mineriodutos, mas sem doar as ferrovias para a Vale do Rio Doce, trabalhar o modal ferroviário para exportação de outros produtos, e diminuir a circulação em rodovias. Precisamos não apenas de uma política mineração, mas de uma política de infraestrutura como um todo um processo de desenvolvimento”.
Para Armons, é necessário fazer um mapa das comunidades que vivem a partir da mineração e ter durante a atividade de mineração um planejamento de transição para outras atividades, para que essas comunidades não fiquem em situação de miséria quando a mineração terminar: recuperar o meio ambiente, diminuir o risco e investir em outras atividades.