Negacionismo, não. Negócio mesmo. À medida em que avançam as apurações da CPI da Covid, crescem os indícios de que o governo Bolsonaro viu nas vacinas uma oportunidade de assaltar os cofres públicos. No caso dos imunizantes, a estratégia teria sido a de priorizar contratos que passassem por uma empresa intermediária, facilitando assim compras superfaturadas. “O que nós vimos foi a troca da negociação direta pela intermediação. É uma situação que se repete”, chamou a atenção o senador Rogério Carvalho (PT-SE), na audiência de quarta-feira (14) da comissão parlamentar de inquérito.
De fato, o governo Bolsonaro tratou de forma muito diferente as negociações diretas com os fabricantes e as compras que passavam por atravessadores. Quando a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) ofereceu ao Brasil 40 milhões de doses por meio do consórcio Covax Facility, o governo Bolsonaro fez pouco caso e acabou comprando apenas 4 milhões de doses. Também, quando a Pfizer e o Instituto Butantan ofereceram suas doses, o governo sistematicamente ignorou dezenas de contatos.
Com a vacina indiana Covaxin foi bem diferente. Como a empresa não tinha representação no país, a venda necessitaria de uma segunda empresa que fizesse a negociação por ela. Foi aí que surgiu a Precisa Medicamentos, que intermediou aquela que se revelou a compra mais cara feita pelo Brasil (US$ 15 por dose).
Para que esse negócio saísse, o governo foi bem ligeiro. Jair Bolsonaro avisou pessoalmente o governo indiano que compraria a vacina, e coronéis do Ministério da Saúde pressionaram servidores a agilizar a compra, pedindo até que a Anvisa concedesse “a exceção da exceção” para liberar o imunizante. Detalhe: um dos donos da Precisa, Francisco Maximiano, é dono também da Global, empresa que deu calote no Ministério da Saúde em uma intermediação feita na época em que o hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), era ministro, no governo Temer.
O governo Bolsonaro foi rápido até quando duas empresas (a brasileira Senah, do reverendo Amilton de Paula, e a americana Davati) ofereceram 400 milhões da Astrazeneca, com quem o governo já tinha negociado diretamente. Nesse caso, houve repetidas reuniões, trocas de e-mails constantes e, segundo denúncia, pedido explícito de propina.
Outra evidência do modus operandi mais que questionável do governo Bolsonaro foi a compra da Sputnik V. Enquanto governadores negociaram a vacina diretamente com os russos, o Ministério da Saúde preferiu fazer a negociação com a intermediária União Química. Resultado: governadores pagaram US$ 9,95 a dose, e Bolsonaro pagou US$ 11,95.
Oportunidade de negócios
“A compra da vacina virou uma grande oportunidade para este governo fazer negócios. Este governo transformou a dor e a necessidade de ter vacinas, porque ele mesmo atrasou a compra, em oportunidade de negócio. Teve a frieza de segurar (a compra) até elevar a pressão e, assim, legitimar a compra por qualquer preço”, afirmou Rogério Carvalho.
Para o senador, até mesmo a compra da vacina Pfizer parece ter sido superfaturada após passar por intermediários. “Quem foi que intermediou a compra da Pfizer? (O ex-secretário de Comunicação) Fábio Wajngarten, que não tinha nada a ver com o Ministério da Saúde”, lembrou Carvalho. “A vacina custou US$ 10 no primeiro lote e, depois, nas quase 101 milhões de doses seguintes, US$ 12“, acrescentou.