ARTIGO

Portaria do MEC desvirtua ensino médio e ameaça Enem

Mudança pode afetar o ensino médio, tornando-o cada vez menos uma etapa fundamental da educação básica
Portaria do MEC desvirtua ensino médio e ameaça Enem

Foto: Agência Brasil

A Portaria do MEC nº 458, de 5 de maio de 2020, que institui normas complementares necessárias ao cumprimento da Política Nacional de Avaliação da Educação Básica, pode transformar o ensino médio em cursinho preparatório para avaliações censitárias e promover o esvaziamento do Enem.

A mencionada portaria estabelece que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) integram a Política Nacional de Avaliação da Educação Básica, e que os resultados do Saeb deverão possibilitar sua utilização como mecanismo único, alternativo ou complementar para acesso à educação superior, especialmente a ofertada pelas instituições federais de educação superior.

De acordo com Alexandre Ribeiro Pereira Lopes, atual presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, o novo Saeb vai abranger todos os estudantes das escolas públicas e privadas, através de uma avaliação anual, a ser aplicada do 2º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio. No entanto, a implementação da avaliação censitária será gradativa, começando em 2021 pelo 1º ano do ensino médio, através de provas digitais, via tablet. Ainda de acordo com o titular do INEP, o Enem tradicional será mantido, mas será implementado também o que ele chama de Enem seriado, que na prática será constituído pelas avaliações anuais do Saeb, aplicadas aos estudantes do ensino médio. Como as avaliações do Saeb e do Enem não são compatíveis, haverá um percentual de vagas na educação superior destinadas ao Enem seriado, e um percentual de vagas destinadas ao Enem tradicional.

Faz-se importante destacar que essa mudança pode afetar sobremaneira o ensino médio, tornando-o cada vez mais um instrumento preparatório para avaliações, e cada vez menos uma etapa fundamental da educação básica, capaz de englobar o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, como estabelecem a Constituição Federal e a LDB.

O dito Enem seriado pode produzir um ambiente de tensão e de competição permanente no ambiente escolar, ao longo dos três anos do ensino médio, afetando negativamente o processo de socialização e direcionando o processo de ensino e aprendizagem para um único fim: a avaliação anual que pode conduzir os estudantes do ensino médio à educação superior.

Ainda que o Ministério da Educação anuncie a manutenção do Enem tradicional, sabemos que a atual gestão do MEC não tem compromisso com processos democratizantes do acesso à educação superior, em especial à educação superior pública, de modo que essas mudanças podem significar o esvaziamento gradativo do Enem, do Sisu e das ações afirmativas previstas na Lei 12.711/2012 (Lei de Cotas).

Ademais, não há consenso sobre a necessidade de uma avaliação censitária anual, ainda que o objetivo seja produzir diagnóstico por escola e qualificar as políticas educacionais, uma vez que uma avaliação de tal amplitude, além de demandar elevado investimento público, reivindica

uma complexa operação para se materializar, e reivindica ainda um espaço temporal significativo para que os seus resultados sejam consolidados, interpretados e possam subsidiar respostas do poder público aos desafios constatados na avaliação, de modo que não parece plausível a realização de uma avaliação censitária anual, a não ser que a intenção do MEC seja inconfessável: promover o ranqueamento de todas as escolas que ofertam ensino fundamental e ensino médio, tanto públicas como privadas, de modo a fomentar uma campanha permanente (anual) de desvalorização da educação pública em benefício da privatização progressiva da educação básica.

O anúncio de mudanças operadas no Saeb e no sistema de acesso à educação superior, sem diálogo prévio e democrático com a sociedade, em um momento de agravamento da pandemia do coronavírus no país, é mais um reflexo da gestão desastrosa do ministro Abraham Weintraub à frente do MEC.

O governo Bolsonaro tem um projeto de destruição da educação pública, que engloba o fim do Fundeb, o Plano Mais Brasil, o Future-se, a Educação Domiciliar, a expansão irrefletida da Educação a Distância, a militarização da educação básica, a política de vouchers, dentre outras medidas extremamente nocivas. Faz-se urgente e necessário fortalecer a luta em defesa de uma educação pública, gratuita, laica, democrática, não militarizada e de qualidade.

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