Se você é mulher e usa transporte público, tem quase 50% de chances de já ter sido vítima de assédio ou violência sexual a bordo de um trem, ônibus ou metrô. O contato físico indesejado, olhares insistentes e palavras agressivas—o “repertório” dos violentadores que se utilizam do espaço apertado no interior dos coletivos —passarão a configurar crime, quando for aprovado o projeto (PLS 740/2015) do senador Humberto Costa (PT-PE) que tipifica o constrangimento ofensivo ao pudor em transportes públicos. A pena prevista é de dois a quatro anos de reclusão e multa.
Segundo pesquisa realizada pela organização humanitária ActionAid em 2013, 43,8% das usuárias do transporte público já passaram pela experiência de serem abusadas durante uma viagem em transporte coletivo.
Os chamados “encoxadores”, em geral, escapam impunes. Além da subnotificação — a vergonha sentida pela vítima e o despreparo do aparato policial para lidar com esse tipo de caso desestimulam o registro das ocorrências — a inexistência de um tipo penal específico para esse tipo de agressão também dificulta a punição dos delitos que chegam a ser reportados às autoridades.
[blockquote align=”none” author=”Senadora Gleisi Hoffmann”]É preciso que os agressores sejam constrangidos, que sintam vergonha, que sintam medo de ser presos.[/blockquote]
Impunidade
“A prática em tem se multiplicado por todo o País”, aponta Humberto Costa. “As mulheres que utilizam o transporte público diariamente para o trabalho ou para qualquer outra atividade lícita ficam à mercê desses indivíduos”. Com seu projeto, o senador quer dar um freio na impunidade.
Atualmente, a falta de um tipo penal específico para enquadrar as ações dos “encoxadores” faz com que muitos casos sejam registrados como “ato obsceno”, crime considerado de “menor potencial ofensivo”. O agressor, geralmente, responde em liberdade pela violência e, em geral, recebe castigos brandos, como realização de trabalho voluntário ou pagamento de cestas básicas.
“Aprovar este projeto é de extrema importância”, afirma a líder da Bancada do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR). Para ela, caracterizar a ação dos “encoxadores” como crime é essencial para dar visibilidade e para coibir essa prática tão disseminada. “É preciso que os agressores sejam constrangidos, que sintam vergonha, que sintam medo de ser presos”.
O PLS 740 está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e será relatado pelo senador Magno Malta (PR-ES). Gleisi e Humberto já conversaram com o relator e com o presidente do colegiado, para garantir agilidade na apreciação da matéria;
Campanhas e notificações
A violência sexual praticada no interior do transporte pública não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. “Essas experiências são cotidianas para milhões de mulheres que utilizam o transporte público na América Latina, onde o problema do assédio sexual adquiriu proporções descomunais afetando, em alguns casos, mais da metade das usuárias de ônibus ou metrô”, afirma uma reportagem publicada no site do Banco Mundial.
O abuso sexual, em qualquer contexto, é um dos crimes mais subnotificados. Mas, assim como ocorre em relação à violência doméstica, campanhas de conscientização têm estimulado as vítimas a denunciarem seus agressores. Só na cidade de São Paulo, foram registradas quatro ocorrências por semana tratando de agressões sexuais no interior de trens, ônibus e metrôs em 2016, um aumento de 850% em relação ao ano anterior.
Um dos recursos que vêm sendo utilizados para minimizar o risco enfrentado pelas usuárias do metrô são os vagões exclusivos para mulheres, disponíveis nos horários de maior demanda. O sistema já funciona no Rio de Janeiro desde 2006. Em 2016, os chamados “vagões rosa” foram adotados também em São Paulo e em Belo Horizonte. No início deste ano, foi a vez do Metrô do Recife implantar o “Vagão Mulher Segura”.
Essas iniciativas estão longe de resolver o problema. Além de valerem apenas em horários restritos (os de maior fluxo de passageiros), não há fiscalização para garantir a ausência de homens a bordo dos vagões exclusivos. A ideia de segregação também é rechaçada por amplos setores do movimento feminista, para quem o confinamento das mulheres em espaços só para elas reforça a ideia da relação “predador-vítima” e não mudam a cultura e os hábitos que levam às agressões sexuais.
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