No Brasil ocorrem pelo menos meio milhão de estupros todos os anos. A natureza desse crime, porém, faz dele o mais subnotificado entre todos os delitos: menos de 10% dos casos são reportados às autoridades. “A coragem para denunciar um estuprador, se é que um dia apareça, pode demorar anos”, ressalta o senador Jorge Viana (PT-AC), autor da proposta de emenda à Constituição (PEC 64/2016) que torna esse crime imprescritível. Para o senador, é preciso respeitar o tempo da vítima, muitas vezes menor de idade e sem condições imediatas de denunciar seu agressor.
A proposta de Viana foi aprovada nesta quarta-feira (5) pela Comissão de Constituição e Justiça e segue agora para o plenário do Senado. De acordo com a PEC do senador petista, não haverá mais prazo para que o autor de um estupro seja processado e punido por seu delito. Atualmente, o crime prescreve 20 anos após ter sido cometido.
[blockquote align=”none” author=”Jorge Viana”]Uma criança dificilmente terá condições de denunciar um agressor que tenha ascendência sobre ela[/blockquote]
Mais de 70% dos estupros são cometidos contra crianças e adolescentes e muitos desses casos ocorrem no ambiente familiar. “Uma criança dificilmente vai reunir as condições de denunciar alguém que tenha ascendência sobre ela. E fica com a chaga, com o trauma para a vida inteira”, lembra o senador, citando casos de grande repercussão em que as vítimas só reúnem as condições emocionais para denunciar a violência sofrida décadas após o acontecimento dos fatos. A prescrição em 20 anos, portanto, joga a favor do criminoso e da impunidade.
“A maioria de casos de que a gente toma conhecimento, de personalidades públicas no Brasil e no mundo, já adultas, casadas, com filhos, é que reúnem as condições de falar de um trauma que viveram”, cita Viana. Ele ressalta que a ausência de prescrição permitirá que a vítima reflita, se fortaleça e denuncie, o que contribuirá para que o estuprador não fique impune.
A relatora da proposta, senadora Simone Tebet (PMDB-MS), também destacou o lapso temporal que costuma haver entre o fato e a denúncia, no caso de estupro, crime que geralmente envergonha a vítima, a expõe a julgamentos públicos e cuja denúncia, não raro, representa uma revitimização, não só pelo processo doloroso de reviver o fato, mas também pela exposição pública. “É esse lapso de tempo que fertiliza a impunidade, e é essa impunidade que se pretende combater, ao tornar o estupro, como o racismo, um crime imprescritível”, afirmou Tebet em seu parecer.
Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de estupros tentados ou consumados por ano no Brasil fica em torno de 527 mil, mas apenas 10% dos casos são informados à polícia. “Nós estamos lidando com algo que tem muito de invisível”, resume Viana. A PEC proposta por ele determina que os crimes de estupro e estupro de vulnerável poderão ser punidos em qualquer tempo. Esses crimes já são inafiançáveis e hediondos, segundo a legislação em vigor.
Para aprovar uma emenda à Constituição é preciso que a matéria obtenha o voto de três quintos das duas casas legislativas, em dois turnos de votação.