Depois da definição do regime fiscal sustentável, aprovado no Senado e prestes a ter a votação definitiva na Câmara, o Congresso Nacional se prepara para dar início, já na primeira semana de julho, à votação da proposta do governo Lula de reforma tributária (PEC 45/19). Autoridades do Legislativo e do Executivo sinalizam que um acordo em torno do texto está próximo.
Três eventos desta semana mostram um clima favorável à aprovação de um sistema mais justo de arrecadação de impostos no país: um debate promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), outro pelo Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi) e um encontro entre deputados e governadores.
Na quinta-feira (22/6), o relator da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou um parecer preliminar, ao lado do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária na Câmara, que realizou uma série de debates sobre o tema. Segundo Lopes, há hoje o “alinhamento político” e a “disposição federativa” necessários para a aprovação da reforma.
Para o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), o texto preliminar “comprova o avanço do diálogo e das negociações entre Executivo e Legislativo em busca de um sistema tributário simplificado e mais justo, que reduza desigualdades”.
Ele considera que o mais importante neste momento é superar barreiras para encontrar saídas em que todos ganhem. “Essa reforma precisa ser justa com a população, fazendo com que os mais ricos paguem mais impostos, mas também vamos precisar discutir e encontrar soluções para evitar que estados menores percam recursos”, afirma.
A expectativa do Ministério da Fazenda é de que a reforma tributária gere crescimento adicional do PIB de 12% em 15 anos, o que equivale a R$ 1,2 trilhão a mais se a régua fosse o PIB de 2022. Mesmo num cenário conservador, todos os setores serão beneficiados: agro (+11%), serviços (+10%) e indústria (+17%). A estimativa é de que a reforma tributária gere 12 milhões de empregos em 15 anos.
O relator da reforma destacou a criação de dois fundos, com aportes da União, para compensar perdas estaduais com as mudanças no sistema. “No passado, este foi o grande impeditivo de a reforma tributária andar”, disse Aguinaldo Ribeiro. São eles o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), para regular o fim da guerra fiscal, e um fundo para garantir os benefícios tributários já negociados, com previsão de encerramento em 2032 — permitindo uma adaptação sem sobressaltos.
“A Reforma Tributária é o pressuposto para a sustentabilidade fiscal no país”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, num dos debates da semana. “Já perdemos muito tempo. O Brasil, sem dúvida, tem um dos piores sistemas tributários do mundo, não dá mais nem para governantes, nem para contribuintes contarem com o sistema atual”, declarou. Segundo Haddad, 40% do custo do sistema judiciário é litígio tributário, situação insustentável para o fisco e para o contribuinte.
“Estamos em um momento especial da economia brasileira. Se continuarmos dando passos certos, e sobretudo esses que se avizinham, nós podemos entrar em um ciclo de desenvolvimento sustentável no país, depois de muitos anos de crescimento pífio e de dificuldade de atender as necessidades da população”, disse Haddad.
Da mesma forma, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, defendeu a aprovação do novo sistema tributário no país. Ele citou exemplos das distorções do sistema atual e da inexistência de regras claras para a incidência de impostos, com alíquotas diferentes para produtos por vezes essencialmente iguais. “É um verdadeiro manicômio tributário”, disse.
Se aprovada no início de julho pelos deputados, a iniciativa segue para o Senado, que prevê a análise para agosto, logo após o recesso parlamentar. Vale lembrar que o texto em debate trata de impostos sobre produção, consumo e serviços e não inclui a tributação sobre a renda, que será tratada em outro projeto.
O que diz a reforma tributária
O objetivo do texto é simplificar e otimizar a tributação com a unificação de cinco impostos no IVA, o Imposto de Valor Adicionado, que ganhou o nome porque cada etapa da cadeia produtiva pagará apenas o imposto referente ao valor que adicionou ao produto ou serviço. No parecer do relator, o IVA é rebatizado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será gerido pelos estados e municípios. No caso dos impostos federais, geridos pela União, o nome sugerido é Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Os tributos que irão formar o IBS são PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI. Recomendado pelo Banco Mundial e pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o sistema IVA elimina cobrança em cascata, tem legislação uniforme, não incide sobre investimentos e exportações, garante a devolução rápida dos créditos acumulados e fica no local (país, estado ou cidade) onde a mercadoria ou serviço foi consumido.
Para fazer justiça tributária, o relatório prevê uma alíquota padrão, que será definida em lei complementar, um imposto seletivo com alíquota reduzida à metade para transporte público, serviços de saúde, serviços de educação, produtos agropecuários, cesta básica, atividades artísticas e culturais, e isenção de impostos para medicamentos, Prouni e produtor rural pessoa física. As regras atuais da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional ficam mantidas.
O texto apresentado inclui também a cobrança de IPVA de embarcações e aeronaves, ou seja, iates e helicópteros, que hoje são isentos, passarão a pagar imposto.
Ponto a ponto do texto
SISTEMA DE TRIBUTAÇÃO
Unificação de impostos – Substitui cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), gerida pela União, e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido pelos estados e municípios.
- CBS e IBS – Tributos cobrados no local de consumo dos bens e serviços, com desconto do tributo pago em fases anteriores da produção.
- Imposto seletivo – Sobretaxa sobre produtos e serviços que prejudiquem a saúde ou o meio ambiente.
Alíquotas – Haverá uma alíquota padrão, uma reduzida em 50% e uma alíquota zero. Os percentuais serão definidos em lei complementar.
- Alíquota reduzida – Para transporte público, serviços de saúde, serviços de educação, produtos agropecuários, cesta básica, atividades artísticas e culturais e parte dos medicamentos. Isso porque esses grupos não têm muitas etapas como a indústria e teriam menos créditos tributários.
- Alíquota zero – Medicamentos, Prouni, produtor rural pessoa física.
Exceções – A Zona Franca de Manaus e o Simples mantêm suas regras atuais. E alguns setores teriam regimes fiscais específicos: operações com bens imóveis, serviços financeiros, seguros, cooperativas, combustíveis e lubrificantes, planos de saúde.
CORREÇÃO DE DESEQUILÍBRIOS
Cashback – Implantação de sistema cashback ou devolução de parte do imposto pago, com detalhamento a ser definido em lei complementar.
Fundo de Desenvolvimento Regional – Para compensar o fim da guerra fiscal, fundo com recursos da União irá promover regiões prejudicadas com R$ 40 bilhões por ano a partir de 2033.
Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais – Os benefícios já concedidos pelos estados seriam garantidos até 2032 por esse fundo, também com recursos da União. No seu ponto máximo, em 2028, teria recursos de R$ 32 bilhões.
Transição federativa – Será feita uma transição de 50 anos, entre 2029 e 2078, para manter a arrecadação da União, estados e municípios. Sem a transição, estados e municípios “produtores” seriam prejudicados com a cobrança do IBS no local de consumo.
Transição dos tributos – Previsão de 8 anos para transição ao novo modelo para calibrar as alíquotas de forma a manter a carga tributária.
IMPOSTOS SOBRE PATRIMÔNIO
IPVA – Será cobrado também sobre veículos aquáticos e terrestres. Será menor para veículos de menor impacto ambiental.
IPTU – Os municípios poderão mudar a base de cálculo do imposto por decreto, mas a partir de critérios estabelecidos em lei municipal.
ITCMD – A ideia é determinar a progressividade do imposto. Ou seja, alíquotas maiores para valores maiores de herança ou doação. Permite a cobrança de heranças no exterior.
(Com Ministério da Fazenda e Agência Câmara)