Tecnologia

PT no Senado lança revista de estudos técnicos; primeiro tema é inteligência artificial

Em entrevista ao PT no Senado, assessoras Sarah Vale e Elisângela Pontes apontam como os perigos da tecnologia ameaçam o processo eleitoral e como lidar com o avanço de métodos adotados para disseminar mentira em larga escala

PT no Senado

PT no Senado lança revista de estudos técnicos; primeiro tema é inteligência artificial

Inteligência artificial nas eleições é o primeiro tema da revista Farol, produzido pelo PT no Senado

Por meio da tecnologia, um militar cruel, acusado de diversos crimes contra a humanidade, foi retratado em vídeos com um “vovô fofinho” durante a campanha eleitoral e acabou eleito presidente da Indonésia. Casos como esse, onde a inteligência artificial é usada para manipular eleitores, foram analisados em um estudo produzido pela assessoria técnica do PT no Senado. O assunto, que está no centro dos debates do Senado nesta semana, é o tema da primeira edição da nova revista de estudos técnicos da Liderança do PT no Senado, chamada “Farol” (leia na íntegra abaixo).

Sob o título “O uso de inteligência artificial para gerar desinformação eleitoral”, o trabalho produzido pelas assessoras Sarah Vale e Elisângela Pontes investiga como a tecnologia vem sendo usada para disseminar mentiras e analisa formas de como lidar com o avanço desses métodos.

Para o líder do PT no Senado, Beto Faro (PA), a publicação traz à tona as consequências que a nova tecnologia acarretam à população. “É preciso alertar e buscar soluções para os riscos da manipulação de informações. Este estudo mostra o quanto é fundamental que os poderes públicos se debrucem o quanto antes sobre o tema para iniciar um processo não de censura, mas de regulação, para garantir eleições mais justas e uma sociedade mais protegida”, disse.

A preocupação com a influência de eleitores é comprovado em pesquisas. Um levantamento de 2019 do DataSenado, que ouviu 2.400 pessoas com acesso à internet, mostrou que quase metade dos entrevistados (45%) afirmam ter decidido o voto levando em consideração postagens vistas em alguma rede social. Para piorar, 47% dos cidadãos ouvidos reconheceram ser difícil identificar a veracidade das informações.

“A ausência de mecanismos para assegurar aos usuários a veracidade das mensagens que recebem em suas redes sociais agrava a preocupação. Assim, analisar as recentes experiências eleitorais pode nos proporcionar uma compreensão maior dos desafios que as próximas eleições brasileiras enfrentarão diante da crescente presença da IA generativa no contexto político”, diz o estudo do PT no Senado.

A inteligência artificial generativa, aliás, é um dos principais alvos de análise do trabalho. Tal tecnologia é capaz até mesmo de utilizar o rosto de pessoas em vídeos ou áudios manipulados – os chamados deepfakes.

Além disso, o documento analisa as abordagens adotadas nos Estados Unidos e na União Europeia para conter a desinformação nas eleições e discute medidas que estão sendo elaboradas no Brasil pelos poderes Judiciário e Legislativo para mitigar os efeitos negativos da IA nas eleições.

Em entrevista ao site do PT no Senado, Sarah e Elisângela destacam que o tema deve ser tratado com urgência pelas autoridades e destacam um meio fundamental para lidar com o problema: educar a população sobre o tema, tanto por meio de campanhas de comunicação quanto já nas salas de aula.

Autoras de estudo sobre uso de IA nas eleições defendem “alfabetizar” eleitores para identificarem conteúdos manipulados

PT no Senado: Como está o debate da inteligência artificial em outros países e como isso pode nos ajudar na regulação do tema aqui no Brasil?

Elisângela Pontes: Na maioria dos países, o tema IA está causando muitos problemas, e um dos alertas que fazemos é sobre a necessidade da regulação.

Mas a regulação que tratamos não é com uma visão muito fechada e punitiva. É para colocar limites, pra que a gente possa ter a convivência mais saudável e democrática possível dentro desse mundo que é a internet, que costumamos dizer que é um mundo sem lei, sem limite, sem regras.

Acho que esse tempo já passou, e agora é o momento de esse dialogar e se buscar limites pra essa convivência mais saudável, plural, democrática e respeitosa possível.

E, no Brasil, a gente vai passar por um momento muito delicado e complexo, que são as eleições municipais. É preciso aproveitar o momento para, como defende a presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, acabar com essa questão da mentira nas eleições. No nosso trabalho, buscamos chamar a atenção para o tema.

No estudo, buscamos chamar a atenção dos parlamentares para que eles também coloquem esse tema como um dos mais importantes para sua atividade política.

Não é uma coisa do estado, do país em si. É uma articulação, uma negociação muito difícil, lenta até. E aqui no Senado a gente tem a oportunidade de já tratar disso, por meio do Projeto de Lei (PL) 2.338/2023, de autoria do presidente Pacheco e relatoria do senador Eduardo Gomes, e que trata da regulação da IA.

PT no Senado: Recentemente, o líder do PT no Senado falou sobre a preocupação que o Brasil deve ter em relação ao combate aos deepfakes, por exemplo, que usam o rosto de pessoas em vídeos alterados por meio de IA ou criam áudios mentirosos perfeitos tecnicamente. Como vocês avaliam o avanço desse tipo de manipulação?

Sarah: É impossível proibir métodos como esse, mas podemos mitigar os malefícios que ele traz. Mas a gente sabe que, mesmo com alertas nas redes sociais sobre conteúdos assim, vão ter sistemas capazes de burlar isso.

A inteligência artificial está aí. Não tem como a gente bani-la do processo democrático. A gente vai ter que saber lidar com ela. Inclusive, trazemos no nosso estudo muitos exemplos de deepfakes que aconteceram no exterior, como na Argentina e na Indonésia. Mostramos, também, exemplos no Brasil, uma vez que já começou, na pré-campanha, a alteração de voz de alguns candidatos. A gente tem que, de algum modo, frear isso.

PT no Senado: Qual vocês acham que foi o caso mais emblemático de manipulação de eleitores, no exterior, a partir do uso de inteligência artificial?

Sarah: Acredito que o caso da Indonésia. Pegaram um candidato à presidência do país, Prabowo Subianto, e modificaram toda a imagem dele. Ele é um antigo ditador sanguinário. Criaram vídeos dele, por meio de inteligência artificial generativa, fazendo dancinhas no TikTok. E ele passou a ser, no imaginário dos eleitores, um avô muito gente boa e que faz dancinha.

(Subianto enfrenta acusações de crimes contra a humanidade, incluindo raptos e desaparecimentos forçados de ativistas durante protestos em massa no final dos anos 1990. As acusações, negadas por ele, foram gradualmente esquecidas pelos eleitores, devido à estratégia utilizada nas redes sociais. Subianto venceu as eleições na Indonésia e assumirá a presidência em outubro.)

Elisângela: Tiraram a imagem que Subianto tinha de um ditador, de um homem duro na sua juventude – quando foi mais intensa a sua atuação –, para torná-lo um “vovô bonzinho”. É uma mudança muito drástica, que foi possível, e em tempo recorde, graças à inteligência artificial. Então, a gente tem que, nesse momento de pré-eleição, alfabetizar o eleitor nesse mundo digital.

PT no Senado: Como isso seria feito?

Elisângela: Acho que a gente tem que fortalecer a informação sobre o que é a inteligência artificial e como ela opera. Isso não é uma tarefa fácil, mas é possível. E eu acho que também a gente pode, junto com o Senado, a Câmara dos Deputados, o TSE e os tribunais regionais eleitorais dos estados, criar campanhas de comunicação para explicar sobre o tema às pessoas. A gente tem as instituições mais adequadas e legitimadas para fazer essa comunicação.

Sarah: Acho que esse tema deve ser debatido nas escolas, também.

É preciso deixar claro que a inteligência artificial está sendo operada por humanos. E, por isso, possui viezes discriminatórios: racismo algorítmico, machista, misógino. E é por isso que a gente vê essas problemáticas, já que por trás da IA tem um humano alimentando, tem um dado que foi alimentado – e esse dado está enviesado.

PT no Senado: E as empresas que controlam as redes sociais, como elas podem também atuar nesse controle?

Sarah: Elas têm processos internos que ajudam isso. Vimos que fizeram muito isso durante o período eleitoral nos Estados Unidos e na União Europeia. Mas, aqui no Brasil, as atuações ainda são muito tímidas.

Essas empresas assinaram um termo de compromisso neste sentido com o Supremo Tribunal Federal, mas não explicaram quais seriam as medidas a serem adotadas. Enquanto isso, fora do país, elas já têm medidas drásticas e claras.

Acho que o primordial é a regulação das plataformas digitais, para que elas sejam responsáveis pelos conteúdos que circulam dentro das redes sociais. Não é só dizer de quem é a culpa. Essas empresas têm capacidade de filtrar conteúdos e até impedir que sejam veiculados.

É preciso que essa filtragem passe pelo crivo humano. Acho que, com regulamentação, a gente consegue mitigar um pouco esses danos.

Elisângela: Acredito que o grande desafio para o momento atual é encurtar essa distância que a gente vive entre o mundo analógico e o mundo digital.

É preciso levar conhecimento, tentar chamar a atenção dos jovens e das pessoas idosas, porque elas também são muito vítimas de assédio por meio de conteúdos da internet que chegam até elas. E isso não ocorre se não tiver primeiro vontade das partes e, principalmente, dos poderes constituídos.

PT no Senado: No período eleitoral, enquanto ainda não há uma regulamentação sobre IA, o que pode ser feito para controlar a disseminação de informações pelas redes?

Sarah: As resoluções do TSE em cada período eleitoral são fundamentais neste sentido. Com o passar dos anos, novas tecnologias sempre surgem. Daí a importância de regulamentações para cada período.

Inclusive, nesse processo de regulação da inteligência artificial em debate no Senado, foi uma comissão de juristas que se reuniu e fez a primeira proposta, unindo todas as leis que estavam tramitando na Casa. Finalizaram o projeto e, duas semanas depois, a inteligência artificial generativa surgiu, e acabou não sendo contemplado no projeto de regulamentação da IA.

Elisângela: A evolução da tecnologia é muito rápida. Nunca a lei vai atender a todas as demandas que os tempos atuais nos impõe. A gente vai conviver sempre com essa brecha, mas o importante é começar o debate desses temas e criar normas que tragam princípios e fundamentos que protejam o Estado Democrático de Direito.

Sarah: Então eu acho que juntando o projeto que irá ser aprovado aqui no Senado, mais essas resoluções que são periodicamente expedidas pelo TSE, acho que há a possibilidade de frear um pouco o avanço da desinformação.

PT no Senado: O que pode se somar às normas e leis para contribuir com o controle da desinformação produzida por IA?

Sarah: Usemos como exemplo uma norma do TSE diz que é preciso sinalizar quando o conteúdo é produzido por inteligência artificial. É um bom começo, mas nem sempre é possível identificar esse tipo de produção. Não temos ainda uma ferramenta ou tecnologia que seja capaz de sempre esclarecer o que foi feito ou não por inteligência artificial.

Uma normativa de sinalizar conteúdos produzidos por IA é, sim, necessária, mas acho que é mais importante ainda que as pessoas consigam identificar esses materiais. Por isso, educar as pessoas sobre o tema é fundamental. E esse o método mais eficiente: educar as pessoas nesse novo mundo que a gente vive, que é o mundo digital e que não tem volta.

To top