O senador Humberto Costa (PT-PE) enviou nesta quinta-feira (22) ofício solicitando que o procurador-geral da República, Augusto Aras, investigue ameaças às eleições de 2022 feitas pelo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. Segundo matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, Braga Netto mandou um interlocutor dizer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que, sem voto impresso, não haverá eleições no país no ano que vem.
“Urge a real e verdadeira apuração dos fatos e subsequente punição das personagens ameaçadoras que ousam derrubar o Estado Democrático e de Direito, coagindo a Democracia Brasileira por mensagens de quarteladas, contra as Eleições Livres, solapando a Democracia aqui urdida por duras batalhas e que tantas vidas custaram e sofrimento trouxeram ao povo brasileiro”, afirma, no ofício, o senador.
Para Humberto Costa, a ameaça narrada pelo jornal é “completamente inaceitável”. “Em primeiro lugar, não é papel das Forças Armadas discutirem temas políticos. Em segundo lugar, isso é uma ameaça velada de golpe militar. Esse debate só serve de pretexto para uma derrota de Bolsonaro”, afirmou o parlamentar, lembrando que Bolsonaro já fez, publicamente, ameaças no mesmo sentido. “Bolsonaro vem preparando o terreno para um golpe. É fundamental que todas as forças democráticas do país manifestem o seu total repúdio a essas ameaças golpistas. E a melhor maneira de respondermos a essas tentativas é por meio da resistência e mobilização popular. É indo às ruas”, conclamou.
“A denúncia é gravíssima e deve ser apurada. Ministro da Defesa mergulhado na pauta ideológica do bolsonarismo e flertando com a inconstitucionalidade. A ameaça de golpe ocorre após denúncias de militares na CPI. Braga Netto não usou a palavra “mentira” em sua nota oficial que tenta negar o episódio”, alerta o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA).
“Ainda que não seja verdadeira, a atual notícia encontra eco em declarações e notas oficiais recentes de membros das Forças Armadas que não são admissíveis do ponto de vista da democracia brasileira e da Constituição. Não aceitaremos qualquer tipo de ameaça ou insinuações”, reagiu Paulo Rocha.
Para o líder da Minoria, senador Jean Paul Prates (PT-RN), numa democracia não cabem ameaças ao Congresso Nacional. “Fechar o STF, impedir as eleições e calar a voz do povo não são medidas cabíveis nos tempos que vivemos. É urgente que o ministro seja convocado para esclarecer a sua fala”, disse.
Tirania à sombra da lei
Por sua vez, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) considerou que não há espaço para golpistas na sociedade contemporânea e na democracia. “Defender a Constituição é um dos pilares da democracia. Braga Netto expõe as Forças Armadas quando ameaça as eleições. A tirania cruel exercida à sombra da lei precisa ser combatida. O tempo dirá o quanto o nosso sistema democrático está maduro e capaz de responder a rompantes autoritários”, afirmou.
O senador Jaques Wagner (PT-BA) também criticou a postura do ministro: “Seria bom o ministro da Defesa voltar para a escola de formação. Sugiro que ele leia a carta aberta assinada por dez ex-secretários de Defesa dos EUA, reafirmando o compromisso com a Constituição, com as eleições e não com os rompantes golpistas do então presidente Donald Trump.”
Outras lideranças do Partido dos Trabalhadores também se manifestaram com veemência em defesa da democracia e contra ameaças vindas do comando militar. “O ministro da Defesa e o presidente da Câmara têm de explicar essa ameaça à democracia. Grave essa militância política do comando das Forças Armadas. Ao invés de defender o país, ameaçam?!”, afirmou a presidenta nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR).
Já o líder do PT na Câmara, deputado Bohn Gass (RS), disse que o ministro general deve se recolher aos deveres constitucionais. “Como é? O general Braga Netto quer condicionar a eleição ao voto impresso? Pois, que se recolha a seus deveres constitucionais, explique o nepotismo dos militares e a corrupção do governo. Vamos convocá-lo.Terá de dar explicações ao Congresso. Sua fala atenta contra a democracia.”
Histórico
Caso o teor da reportagem do Estadão se confirme, este não terá sido o primeiro arroubo autoritário de Braga Netto. É preciso lembrar que ele já foi chamado pelo Congresso para explicar manifestações de cunho antidemocrático. No último dia 13, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara (CFFC) aprovou requerimento de convite para que o ministro explique a nota oficial que ele e os três comandantes das Forças Armadas emitiram contra o trabalho da CPI da Covid.
Divulgado na semana anterior ao requerimento, o texto afirmava, em tom ameaçador, que as Forças Armadas não aceitariam “ataque leviano” às instituições militares, simplesmente porque o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), lamentou o envolvimento de militares nos escândalos de corrupção que a comissão parlamentar de inquérito têm apurado.
Para o grupo Prerrogativas, que reúne juristas, advogados, professores de Direito e ex-membros do Ministério Público, uma ameaça desse tipo feita pelo ministro da Defesa é inconcebível. Em nota encaminhada à imprensa, o grupo afirmou: “É inconcebível que o ministro da Defesa cometa a exorbitância delirante de coagir o presidente da Câmara dos Deputados a admitir e implementar uma exótica alteração no sistema de votação, sob pena de acenar com o cancelamento das eleições de 2022. É preciso que os representantes das Forças Armadas, de uma vez por todas, restrinjam-se às suas atribuições específicas, abdicando do desempenho de performances perturbadoras no palco dos embates políticos, que de forma alguma lhes dizem respeito”.
O ministro do STF, Gilmar Mendes, também pediu respeito às regras democráticas. “Os representantes das Forças Armadas devem respeitar os meios institucionais do debate sobre a urna eletrônica. Política é feita com argumentos, contraposição de ideias e, sobretudo, respeito à Constituição. Na nossa democracia, não há espaço para coações autoritárias armadas”, escreveu no Twitter.
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(Com PT no Senado e PT na Câmara)