A base para a representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) é uma matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo informando que o governo usou recursos que deveriam ser aplicados no combate aos efeitos da pandemia em comunidades pobres para a compra de 247 tratores, ao custo de quase R$ 90 milhões, e que outros R$ 1,2 bilhão podem ter o mesmo destino.
Para a bancada do PT e a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que também assina o documento, tudo indica que o governo desvirtuou o que foi decidido pelo TCU (Acórdão 908/2021) em junho do ano passado, além de ter desviado finalidade na destinação dos recursos e favorecido empresa. O TCU tinha dado sinal verde para que o saldo do programa Bolsa Família fosse aplicado no Auxílio Brasil, desde que em ações com a mesma classificação de rubricas e voltadas ao enfrentamento dos efeitos, inclusive econômicos, da Covid-19.
Mas os beneficiários da compra de tratores não parecem enquadrados no público atendido pelo programa social, que além de não utilizar esse tipo de maquinário, muito possivelmente não teria sequer como abastecê-lo. Por isso, a representação pede à Corte de Contas que analise os tipos de máquinas adquiridas e distribuídas.
“A aquisição desses tratores não tem qualquer vínculo com a supressão dos efeitos adversos da pandemia da Covid-19 e não parece corresponder à efetiva necessidade dos beneficiários”, justificam os senadores, enquanto assinalam a importância da adoção de medidas que de fato enfrentem a grave crise socioeconômica do país.
Possível favorecimento
Os parlamentares ainda pedem investigação sobre possível violação aos princípios e normas de licitações e contratos em nome de interesses privados. Os tratores foram comprados pelo Ministério da Cidadania, sem licitação, junto à XCMG. A empresa mineira, classificada em Ata de Registro de Preços, já fornecia produtos para o Ministério do Desenvolvimento Regional – este sim um comprador habitual de tratores – e igualmente fornece equipamentos, mediante emendas parlamentares, a bases eleitorais de aliados do governo.
Em outro passo que também deve ser investigado pelo TCU, o governo baixou portaria em março relacionando infraestrutura mecânica com fomento rural e atendimento a famílias inscritas no CadÚnico, que é o cadastro seguido pelo Ministério da Cidadania para o atendimento social. Com a medida, a compra de retroescavadeiras, pá-carregadeiras e caminhões, por exemplo, foi incluída na lista de ações sociais à população mais carente. É nessa toada que o governo planeja comprar mais 500 motoniveladoras – geralmente usadas em construção civil, além de 600 escavadeiras hidráulicas e 1.200 pá-carregadeiras, entre outras máquinas. Por isso, os senadores e a senadora pedem “uma auditoria que confronte essa medida com as bases do CadÚnico”. O objetivo é checar se o público alvo dos programas sociais realmente precisa dessas máquinas e se algum dia verá sua cor.
Afora os brasileiros que hoje recebem o Auxílio Brasil, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que cerca de 1,3 milhão de famílias estejam habilitadas, mas continuam à espera do benefício mínimo mensal de R$ 400,00. Atender a esse público parece ser um destino natural do dinheiro que, no entanto, o governo prefere aplicar na compra de motoniveladoras, por exemplo, como questionam os senadores na representação:
“Não se pode ter como afim aos interesses elementares, diante de um quadro social de fome e ausência de renda, acentuado por uma calamidade sanitária de amplitude mundial, que a escolha do Poder público seja, primeiro, investir, sem critérios técnicos e transparentes, em máquinas do que amparar pessoas. E, mais, sequer estabelecer critérios de equidade para a distribuição dessas máquinas”.