“Se planejas para um ano, planta arroz. Se planejas para uma década, planta árvores. Mas se planejas para toda uma vida, educa tuas crianças.”
Provérbio chinês
Apesar dos grandes progressos que se verificaram nos governos progressistas, o Brasil ainda é um país com graves deficiências.
Uma delas, talvez a principal, refere-se à qualidade insuficiente da nossa educação e à nossa baixa capacidade de produzir inovação tecnológica.
Somente a educação de qualidade pode gerar um horizonte de longo prazo para o desenvolvimento e dar sustentáculo às políticas de distribuição de renda, pois as desigualdades educacionais são as que originam e reproduzem as nossas ainda profundas desigualdades sociais. Há limites para o que as políticas sociais compensatórias podem fazer, mas não há limites para o que a educação de qualidade para todos pode alcançar como elemento indutor de uma efetiva igualdade.
Além disso, o Brasil precisa investir mais, muito mais, em ciência, tecnologia e inovação, se quisermos ser um país realmente desenvolvido. Embora ocupemos a 13º posição mundial em publicações de trabalhos de ciência básica, produzimos muito pouca inovação tecnológica, que é aquela que gera vantagens competitivas, em termos econômicos. Assim, essa relativa incapacidade de produzir inovação limita gravemente, a priori, a competitividade da nossa economia, particularmente de nossa indústria de transformação.
Obviamente, não podemos nos acomodar e precisamos alavancar nossa produção industrial e de serviços com empresas modernas e competitivas construídas com base tecnológica avançada. Temos muito competidores internacionais, inclusive emergentes, que já têm excelência na produção industrial. Embora exportemos, em nível ainda significativo, produtos manufaturados, especialmente para o Mercosul e a América Latina, estamos perdendo celeremente nossa competitividade, em especial frente à poderosa capacidade da China de produzir manufaturas com baixo custo. Não podemos nos conformar e nem ficar para trás. O desafio do nosso desenvolvimento sustentado exige um conjunto articulado de políticas públicas, com centralidade na educação, ciência, tecnologia e inovação.
Nesse contexto desafiador, o programa Ciência sem Fronteiras tinha prioridade. Por quê?
[blockquote align=”none” author=””]Por que a ciência de qualquer país precisa, para se desenvolver adequadamente, de internacionalização. A ciência é um sistema universal de conhecimentos. Não se faz ciência isoladamente, em especial num país em desenvolvimento.[/blockquote]
E o Brasil tinha, antes do Ciência sem Fronteiras, um número extremamente baixo, ridículo até, de estudantes e pesquisadores em universidades estrangeiras. Só para se ter uma ideia, o número de estudantes brasileiros no exterior antes do Ciência sem Fronteiras era de cerca de 5 mil/ano, cifra ridícula. A Coreia do Sul, país com apenas 48 milhões de habitantes (4 vezes menos que o Brasil), tem 270 mil estudantes no exterior. A China tem, somente em cursos de doutorado nos EUA, ao redor de 80 mil estudantes. Ao todo, esse país tem hoje cerca de 700 mil estudantes no exterior. A Índia já tem cerca de 360 mil. E o número de estudantes indianos no exterior cresce a uma taxa anual situada entre 14% e 17%.
Com o Ciência sem Fronteiras (CsF), o Brasil finalmente começou a fazer um esforço sustentado para internacionalizar a sua ciência e, com isso, melhorar a qualidade de sua educação universitária e criar oportunidades para a produção de inovação tecnológica em escala considerável.
Foram enviados, em sua primeira etapa, 73.353 universitários da graduação para um ano acadêmico (modalidade “graduação-sanduíche”), em 2.912 universidades de 54 países, entre estas, 182 das 200 melhores universidades do mundo, expondo-os, dessa forma, a um “choque de internacionalização”. Com tal esforço, o Brasil aumentou a mobilidade internacional de estudantes e pesquisadores de uma média anterior ao CsF de 5 mil por ano para mais de 40 mil, em 2015, auge do CsF.
[blockquote align=”none” author=””]Ao contrário do que ocorria antes dos governos progressistas do PT, esse esforço na internacionalização da ciência brasileira beneficiou, sobretudo, estudantes de renda baixa, contribuindo para o processo de inclusão social que se desenvolvia na época.[/blockquote]
Com efeito, a grande maioria era oriunda de famílias com renda de até 6 salários mínimos, sendo que 25% provinham de famílias com renda de até 3 salários mínimos. Do total de alunos, 26,4% se autodeclararam pardos ou pretos, valor próximo aos 23% da média do sistema universitário brasileiro. A maioria destes jovens, selecionados por critérios de mérito, teve oportunidade única de passar um ano numa universidade de ponta, tornar-se fluente numa outra língua e adquirir visão e vivência internacionais, que certamente lhes abrirão caminhos profissionais e pessoais que dificilmente conseguiriam sem apoio de um programa como o CsF.
Pela primeira vez na história, o filho do pedreiro e da diarista teve a oportunidade única de estudar no exterior, antes um privilégio assegurado apenas aos filhos de uma pequena elite.
Como bem assinalou o grande cientista brasileiro Miguel Nicolelis: Nunca a juventude brasileira teve uma oportunidade como esta. Nunca a ciência brasileira foi tão oxigenada por novos ares e novas visões.
O Ciência sem Fronteiras teve também um grande impacto acadêmico. Mais de 20% dos que regressaram ao Brasil após passar pelo programa ingressaram em cursos de mestrado e doutorado no país, número muito maior que os cerca de 5% dos graduados que ficaram no país e que ingressaram numa pós-graduação.
[blockquote align=”none” author=””]Ademais, conforme a maioria dos depoimentos colhidos, os estudantes que passaram pelo Ciência sem Fronteiras voltaram ao Brasil com atitude mais questionadora e com horizontes mentais mais amplos.[/blockquote]
É claro que, como todo programa inovador e inédito, o Ciência sem Fronteiras passou por reavaliações que pretendiam aumentar sua efetividade.
Carlos A. Nobre, doutor pelo MIT e ex-presidente da Capes resumiu bem esse esforço para o aperfeiçoamento do programa, da seguinte forma: 1) limitar a 15 mil alunos por ano e aumentar a participação de alunos de pós-graduação e pesquisadores em estágio pós-doutoral (algo como 60% ao invés dos 21% do programa atual), pois o benefício para o Brasil de formação de pesquisadores em centros internacionais de excelência é incomensurável? 2) expandir para outras áreas necessárias ao desenvolvimento sustentável do país além de ciências exatas, porque nem mesmo inovação tecnológica pode prescindir das ciências sociais? 3) enviar alunos de graduação para um número bem menor de universidades, mas todas de ponta, e envolver a universidade brasileira de origem dos alunos em cotutoria e acompanhamento do estágio no exterior, ampliando parcerias com universidades de destino? 4) distribuir os alunos mais uniformemente em vários países e fomentar intercâmbio de estudantes para aumentar o número de alunos estrangeiros nas universidades brasileiras? 5) a preparação em outro idioma deve ser feita previamente, no Brasil? 6) definir orçamentos específicos que não se apropriem do financiamento básico do sistema de ciência, tecnologia e inovação e garantir maior participação de financiamento privado? e 7) aumentar significativamente a atração de pesquisadores estrangeiros para o sistema universitário brasileiro.
Pois bem, todo esse esforço de aperfeiçoamento vinha sendo feito na gestão do ex-ministro Mercadante. Em particular, quando a crise bateu às portas do Brasil, em 2015, multiplicando os custos do programa, que são em dólar e euros, a gestão de ex-ministro se empenhou em soluções criativas para mantê-lo.
Uma alternativa seria a busca de mais parcerias com a iniciativa privada, que já era responsável, na época por 25% do financiamento do programa. “Uma parte desse financiamento privado se efetivou, caso da Febraban, que honrou seu compromisso. A Petrobras também iria colaborar, com R$ 460 milhões. Só não fizeram por causa do golpe. Tem que ir atrás do setor privado”, afirmou o ex-ministro.
Entretanto, no governo democrático de Dilma Rouseff jamais se cogitou a extinção do programa.
Agora, contudo, o governo ilegítimo do golpe extingue esse programa estratégico para o Brasil com argumentos estapafúrdios. O principal deles é o de que o programa é caro. Para ilustrar esse argumento, o governo do golpe compara o suposto custo do programa com merendas escolares. Ora, essa comparação é de uma desonestidade inacreditável. É óbvio que mandar um estudante para o exterior custa mais caro que comprar merendas. O custo do programa é em moeda estrangeira e fica multiplicado sempre que há uma desvalorização cambial, como agora.
[blockquote align=”none” author=””]A questão é: qual é o custo da ignorância? Qual é o custo da ausência da educação de qualidade? Qual é o custo da ausência da inovação? Se fossemos medir esse custo em merendas escolares, seriam centenas de trilhões.[/blockquote]
O problema não é o custo. Qualquer programa pode ser ajustado às limitações orçamentárias.
A questão central é a seguinte: o governo do golpe não tem visão estratégica sobre o desenvolvimento do Brasil e está apenas empenhado em cortes orçamentários para cumprir a meta austericida da emenda constitucional de congelamentos de gastos.
Na realidade, a questão é política. O governo do golpe não tem compromisso nenhum com a educação e a ciência brasileiras. Nem com os estudantes e os professores. O governo do golpe só tem compromisso efetivo com o sistema financeiro e o capital internacional, que participará da privatização do ensino no Brasil.
O governo do golpe não está realmente preocupado com merendas escolares. Está preocupado com os lucros e os dividendos de seus financiadores.
O problema do golpe é a ignorância. O golpe ignora os reais interesses do Brasil. Não tem visão estratégica do Brasil e do mundo.
Essa ignorância, medida em merendas escolares ou com qualquer outro parâmetro, tem custo incomensurável. Custa o futuro do Brasil.