Quase todos os Estados amanheceram 2018 com notícia de feminicídio. Apesar da lei do feminicídio ser mais dura, inclusive ampliando a pena, parece que os homens não conseguem se livrar do sentimento de posse que tem em relação às mulheres. Isso é construção cultural que só vai ser desconstruída a medida que se discutir abertamente as relações de gênero. Há uma paranoia no país a respeito da palavra “gênero” tal qual havia, e ainda há, com a palavra “comunismo”, que é apenas o desejo de uma sociedade igualitária. Com a palavra “gênero”, há uma confusão proposital de setores fundamentalistas que acham que com isso podem inibir o movimento da população LGBTT.
Não é toda morte de mulher que é considerada feminicídio. É a morte por ser mulher, pela condição feminina subalterna em casa, que faz o homem achar que tem direitos sobre ela, inclusive sobre a sua vida. Não há como mudar isso senão pela educação. O menino precisa, desde cedo, saber que não é superior à menina, que os direitos são iguais. É educar para não sentir vontade de agredir.
A nossa herança machista é de muitos séculos. Começou quando os europeus chegaram aqui e “amarravam” as índias para estupra-las, depois fizeram a mesma coisa com as negras escravizadas. Eram marcadas para quando estivessem “no ponto”, que significava a primeira mestruação. A “primeira vez” tinha que ser dos “coronéis”, prática que se perpetuou até bem pouco tempo com as empregadas domésticas.
É preciso também reeducar os agressores. Isso está previsto na Lei Maria da Penha e eu sou autora do projeto de lei que regulamenta essa política. Não basta prender. O agressor cumpre a pena e é posto em liberdade. Vai agredir de novo. Há experiências exitosas, em alguns Estados, onde os agressores são acompanhados pelos centros de reeducação. Quase nenhum rescindiu em atos de violência contra a mulher.
Durante muitos séculos, o Brasil cultivou a cultura da absolvição dos assassinos de mulheres em nome da “legítima defesa da honra” e do famoso “matei por amor”. Tenho na memória, o famoso caso do Doca Street que matou Ângela Diniz, no Rio de Janeiro. Ele “encantou” o júri com suas lágrimas e o célebre “matei por amor” e foi absolvido. Houve recurso e no novo julgamento as mulheres se organizaram e foram pra frente do Fórum com faixas “Quem ama não mata”. Doca Street foi condenado a 12 anos de prisão.
Às vezes penso que vai demorar muito para termos leis, decisões e políticas que favoreçam as mulheres, quando olho o parlamento, os tribunais e o executivo plenos de homens, principalmente nos postos de comando.
O que reanima nossas forças é ver a coragem das mulheres denunciando seus algozes, levando-os aos bancos de réus. “Quem ama cuida, quem ama abraça, quem ama não maltrata o seu amor”.
Publicado originalmente no jornal O Dia.