No entanto, o que parece ter se esgotado há muito tempo, na velha mídia e na surrada (em mais de um sentido) oposição, é a capacidade de entender o que se passa no mundo e no Brasil.
De fato, é necessária forte miopia, ou grande dose de cinismo, para insinuar que o ciclo da distribuição de renda, do combate à pobreza e da economia dinamizada pelo consumo se esgotou.
Os mais de 40 milhões de excluídos que chegaram à classe média e os 36 milhões que saíram da pobreza extrema mal começaram a ter um gostinho das delícias da sociedade de consumo, antes só acessíveis à embolorada minoria de sempre, e já querem acabar com a festa. Talvez porque achem, como diz o velho adágio, que “alegria de pobre dura pouco” ou, segundo a carcomida mentalidade excludente, deve durar pouco.
Não satisfeitos em serem contra os rolezinhos da periferia nos shoppings, querem acabar com o grande Rolezão, que levou dezenas de milhões de brasileiros a entrarem no outrora restrito mercado de consumo interno e a se tornarem cidadãos mais ativos e reivindicadores.
Afinal, não faz parte da tradição histórica social do Brasil esse negócio esquisito e perigoso de ficar combatendo a pobreza e distribuindo renda e oportunidades. Não. A nossa velha tradição é a de concentração e exclusão. É a do crescimento sem distribuição. É a do bolo que tem de crescer antes, para ser distribuído depois. Sabe-se lá quando.
E quem acabou, de fato, com essa longa e cínica tradição foi o governo do PT e dos partidos aliados.
É claro que antes desse governo houve épocas em que ocorreram processos de distribuição de renda. Mas esses processos tiveram vida curta e surgiram como efeitos colaterais positivos de planos de combate à inflação. Assim, houve melhoria na distribuição de renda logo após o Plano Cruzado, assim como houve também no período inicial do Plano Real. Porém, depois do impacto inicial, tais processos foram congelados ou revertidos.
É óbvio também que, após a Constituição de 1988, que criou vários direitos sociais e econômicos, como o da aposentadoria rural, por exemplo, houve avanços que melhoram paulatinamente nosso IDH.
Contudo, nenhum desses processos teve impacto distributivo e social comparável ao obtido nos governos do PT. Além dessa enorme ascensão social que resgatou para a cidadania dezenas de milhões de brasileiros, foi nos governos recentes do PT que o nosso índice de Gini, que mede a concentração de renda, caiu de forma acelerada e sustentada, conforme fica evidente no gráfico baixo.
Gráfico 1 – Evolução da Desigualdade de Renda no Brasil (Índice de Gini para a renda domiciliar per capita): 1977-2012
Isso coloca o Brasil não apenas na contramão da sua tradição de exclusão e desigualdade, mas também na contramão do que ocorre na maior parte dos países do mundo, inclusive nos outros BRICs. Com efeito, China, Índia, Rússia e África do Sul tiveram as suas desigualdades aumentadas, nos últimos 10 anos. Nesses países, a renda dos mais pobres cresceu, mas a renda dos mais ricos cresceu bem mais. No Brasil, ao contrário, a renda dos mais pobres aumentou bem mais que a renda dos mais ricos. No Brasil, praticamente eliminou-se a pobreza extrema e, ao mesmo tempo, distribuiu-se renda. Por isso, o nosso país tornou-se referência mundial no combate não apenas à pobreza, mas também às desigualdades.
Ao contrário do que muitos imaginam, essa revolução social não foi conseguida apenas com o concurso das políticas e programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Na realidade, o que o IPEA chamou de “década inclusiva”, em contraste com nossa longa tradição de exclusão, assentou-se essencialmente num tripé: políticas de transferência de renda, educação e mercado de trabalho. Observe-se que esses dois últimos fatores vêm preponderando sobre as políticas de transferência de renda.
Tal revolução, esse intenso e amplo processo de eliminação da pobreza extrema e de distribuição de renda e oportunidades, é a grande novidade histórica, econômica, social e política do Brasil. É isso que é o Novo no Brasil. Profundamente novo.
Evidentemente, tal processo ainda precisaria continuar por muito tempo para que o Brasil chegasse a ter uma estrutura social semelhante à da França, por exemplo, que tem um índice de Gini de aproximadamente 0,300 e oportunidades educacionais e de emprego bem distribuídas por toda a população.
Contudo, há grupos políticos que já vaticinaram, com miopia e cinismo, que tal processo “se esgotou”. Erroneamente, encaram os percalços de uma conjuntura internacional ainda muito difícil, que se reflete no recente baixo crescimento da economia, como limites estruturais desse novo ciclo brasileiro de desenvolvimento. Na realidade, é esse modelo centrado na distribuição de renda e na dinamização do mercado de consumo interno que tem evitado uma grave recessão no Brasil, como ocorria amiúde em nosso passado. É por causa desse modelo “esgotado” que temos hoje a menor taxa de desemprego da história e a renda dos trabalhadores em franca ascensão, em agudo contraste com a maioria das economias mais desenvolvidas.
Alguns desses grupos políticos são velhos conhecidos. Outros são aqueles que se apresentam sob o surrado rótulo da “nova política”, um estratagema eleitoral tão velho quanto a política. Para variar, nenhum tem propostas inovadoras e todos são saudosistas do fracassado paleoliberalismo. Falam abstratamente no novo, mas se aferram concretamente às fracassadas fórmulas do passado e rejeitam a Reforma Política, única medida que poderia criar, de fato, um novo sistema político no Brasil.
Não conseguiriam criar nada de novo, mas parecem dispostos a acabar com o Rolezão.