Cyntia Campos
19 de dezembro de 2016 | 18:35h
Em um ano, a economia do Brasil perdeu R$ 1 trilhão. Esse é o volume de dinheiro que deixou de circular na economia do País, como mostra uma reportagem publicada nesta segunda-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo. Esse total equivale “aos créditos bancários que foram sendo pagos pelos devedores e não retornaram ao mercado na forma de novos empréstimos, bem como à expansão natural do mercado, que não ocorreu”, diz o Estadão.
É essa queda de 25% “em relação ao que deveria estar circulando se a economia estivesse operando em níveis ‘normais” que a gestão Temer pretende enfrentar com seu tímido pacote econômico, anunciado na última quinta-feira.
O pacote Temer — “um placebo”, na definição da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) — até parece ouvir os especialistas, todos ligados ao mercado financeiro, ouvidos pela reportagem do Estadão, e que atribuem a espiral descendente do momento econômico à “falta de crédito”.
Para a professora de economia e assessora da CAE Esther Dweck, porém, não é qualquer crédito que vai tirar o Brasil dessa marcha a ré econômica. “Só oferecer crédito não resolve, porque não garante que as pessoas e empresas vão tomar esses empréstimos. É preciso ter crédito voltado para a retomada da produção”.
Diferença dos governos petistas para Temer
Em 2008 e 2009, o governo do presidente Lula usou os bancos públicos para expandir o crédito. O Tesouro Nacional disponibilizou recursos adicionais de R$ 100 bilhões para o BNDES, destinados ao financiamento de investimentos, e o Banco Central também liberou uma parcela de R$ 99,2 bilhões do compulsório para reforçar a liquidez do sistema bancário.
A diferença fundamental com o pacote Temer é que essa ampliação e barateamento da oferta de crédito determinada pelo governo Lula estava direcionada para o estímulo ao investimento e à produção. O crédito de Temer parece ser bom principalmente para quem empresta dinheiro, já que não há contrapartidas exigidas nem para ter acesso às melhores condições para contrair os empréstimos nem para ser beneficiado pelo parcelamento das dívidas tributárias, o novo Refis.
Crédito, sozinho, não resolve
Como explicou Esther Dweck na análise detalhada que fez do pacote Temer, na última sexta-feira (veja o vídeo com Esther e a senadora Gleisi Hoffmann), o País vive um cenário grave de recessão, com risco de chegar a uma depressão econômica, um momento em que há pouca disposição, das empresas e das famílias, para fazer novos empréstimos. Da forma como Temer montou seu pacote, a linha de crédito do BNDES vai permitir que empresas, atualmente bastante endividadas, renegociem esses débitos.
“Do ponto de vista emergencial, isso é bastante importante. Só que isso não gera crescimento”, alertou Esther Dweck. “Num período de recessão tão forte quanto o atual, crédito mais barato não gera crescimento, pois ninguém quer se endividar”. Os tomadores dos empréstimos tenderão, no máximo, a usar esse dinheiro contratado em condições melhores para quitar dívidas.
Atualmente, as famílias estão endividadas, enfrentando o desemprego ou receosas que a perda do emprego as atinja. As empresas estão numa situação difícil, também, com um grau elevado de ociosidade — sua capacidade produtiva não está sendo utilizada — sem qualquer incentivo para investir. “Nem para exportar, porque o mercado externo também não vive seu melhor momento”, aponta Esther Dweck.
Papel dos governos
O único ator com capacidade de inverter o giro parar trás da economia seria o governo. Programas como o Minha Casa, Minha Vida, que estimula um dos maiores geradores de emprego, que é a construção civil, e as grandes obras de infraestrutura do Programa de Aeleração do Crescimento (PAC), levadas a cabo por Lula e Dilma, é que podem fazer a diferença, alerta a professora.
E o exemplo não vem só dos governos petistas, como lembra Esther. O presidente Getúlio Vargas agiu de forma similar para conter a depressão decorrente do chamado crack da Bolsa de 1929. Em 1931, seu governo comprou os estoques de café, encalhados em função da grande crise internacional—o café era o principal produto da economia de então. “Isso recuperou a renda dos empresários e a própria economia, que rapidamente saiu da grande depressão”.
Contrapartidas
Para a professora de economia, a renegociação dessas dívidas deveria estar condicionada a investimentos produtivos. Uma linha de crédito para capital de giro, por exemplo, para estimular a produção. O mesmo acontece com o novo Refis, a renegociação das pendências tributárias vencidas até 30/11/2016, que também não estabelece contrapartidas de quem será beneficiado.
Quando o governo Lula lançou uma série de iniciativas, em 2008/2009, para combater a crise, as mudanças eram direcionadas para estimular a retomada do crescimento. Por exemplo, a alteração dos custos dos financiamentos direcionados à produção e ao investimento, como lembra Marcelo Zero, assessor da Bancada do PT no Senado.
Na época, a taxa de juros de longo prazo (TJLP) foi reduzida em 0,25 pontos, caindo para 6,0%. O custo dos empréstimos da União ao BNDES caiu de 8,75% para 6,0%. A taxa de juro para o tomador final, em empréstimos do BNDES para a aquisição e produção de bens de capital e para inovação, diminuiu substancialmente, com equalização por parte da União até 5,5 pontos percentuais, envolvendo um volume de recursos de até R$ 42 bilhões.
“Uma medida importantíssima foi a da redução da taxa de juros. Ao final de 2008, a taxa de juros estava em 13,75%, mas, ao final ao final de 2009, chegou a 8,75%, cinco pontos percentuais de redução”, recorda Marcelo Zero. “As medidas contracíclicas permitiram aumentar o gasto social per capita de R$ 2.690 (em 2008) para R$ 2.968 (em 2009), uma elevação superior a 10%. Na contramão da PEC 55, esse aumento do gasto social foi fundamental para a recuperação da economia”.
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