Se a desmonte da Previdência servirá para agradar o setor financeiro, a reforma trabalhista proposta por meio de projeto de lei pelo governo golpista de Michel Temer foi feita para agradecer o apoio da elite industrial ao golpe. Chamada de “modernização” trabalhista pelos golpistas, ela quer regredir os direitos dos trabalhadores à década de 1940, antes da aprovação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943.
O projeto que regulamenta a terceirização, inclusive, faz parte deste pacote de desmonte dos direitos dos brasileiros que estão tramitando no Congresso Nacional. O texto deve ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (21).
O Ministério Público do Trabalho já apontou para a inconstitucionalidade da proposta de Temer, pois fere o princípio do não retrocesso social e o de um patamar mínimo civilizatório. “Essa reforma afeta justamente os setores mais precarizados. O impacto será brutal para aquelas pessoas submetidas aos piores salários e condições de trabalho”, afirma Gabriel Franco da Rosa, advogado trabalhista e diretor do Sindicato dos Advogados de São Paulo.
“O problema é que o debate sobre a constitucionalidade vai ser proposta ao STF (Supremo Tribunal Federal), cuja configuração é extremamente problemática. E que já deu indicativo que pode declarar a constitucionalidade dele”, aponta.
“A reforma trabalhista de Temer oficializa o bico. O que significa que você só trabalha quando o patrão chama, só ganha pelo que produz, pode ser temporário por 120 dias ou mais, tem de negociar férias, 13º salário”, afirmou Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores, em entrevista ao portal da CUT.
Abaixo, detalhamos ponto a ponto os retrocessos da lei:
Negociado sobre legislado
O principal retrocesso é a imposição do negociado sobre o legislado. Ou seja, um acordo ou convenção coletiva entre sindicato patronal e de trabalhadores poderá se sobrepor às leis trabalhistas. Só que isso já é permitido hoje, desde que a negociação seja para aumentar os benefícios para o trabalhador. A proposta, então, tem o objetivo de reduzir esses benefícios.
O panorama é ainda mais sombrio para o trabalhador quando se observa a realidade sindical no Brasil. Segundo Franco da Rosa, são aproximadamente 12,5 mil sindicatos, muitos dos quais não possuem histórico de nenhuma negociação. “Pode permitir que um patrão crie um sindicato com seu poder econômico, e o utilize para legitimar a perda de direitos dos trabalhadores”, constata Franco da Rosa.
Para Daniel Daniel S. Mayor Fabre, do Crivelli Advogados Associados e mestrando na Universidade de S. Paulo, essa mudança terá consequências incertas para o direito do trabalho. “Os resultados dependerão da conjuntura econômica e política de cada categoria e do país, do tempo e da força de negociação (assim como da inclinação política) de cada sindicato, federação e confederação”, diz ele.
Na avaliação do advogado, a tendência é que seja criada uma “colcha de retalhos” no lugar do direito do trabalho. “Muitas matérias que atualmente são reguladas por lei, consideradas um patamar minimo civilizatório, vindo a ser negociadas no âmbito de cada categoria e de sua distribuição territorial, com todos as possibilidades que possam surgir daí”, afirma.
Fabre lembra que, com a atual crise econômica, sindicatos já negociam aumentos salariais abaixo da inflação. Com a mudança legislativa, isso deve se multiplicar.
Ampliação de jornada e redução do almoço
O acordo coletivo poderá dispor sobre a jornada de trabalho. Ou seja, deixará de existir o limite de 8 horas diárias. A lei abre a possibilidade para que o trabalhador cumpra jornadas de 12 horas, ou até mais. Também permite a redução do horário de almoço de uma hora para 30 minutos.
Segundo Gabriel Franco Rosa, essa medida deve aumentar o número de acidentes do trabalho. Isso porque a maioria dos acidentes já acontece em jornadas estendidas ou com intervalo reduzido.
Fim do deslocamento remunerado
Hoje, quando o local de trabalho é de difícil acesso e a empresa fornece transporte privado para o trabalhador, esse tempo é contabilizado como hora trabalhada. A proposta de Temer vai abrir a possibilidade para acabar com isso, e as horas começam a contar apenas depois da chegada ao local de trabalho.
Fim do respaldo jurídico
A lei também coloca que a Justiça do Trabalho analisará apenas a forma dos acordos, e não o seu conteúdo. Ou seja, mais uma vez, dá carta branca para os patrões negociarem a perda de direitos dos seus funcionários. “É uma maneira de retirar o conteúdo das negociações coletivas da apreciação do judiciário”, explica o advogado.
Estímulo ao contrato em tempo parcial
A proposta do golpista quer ampliar o regime de tempo parcial de 25 para 30 horas. Segundo Rosa, o objetivo é tornar esse tipo de contrato mais atraente para o empresário. O contrato em tempo parcial possibilita salários abaixo do mínimo, já que contabiliza a remuneração proporcional às horas trabalhadas como base no salário mínimo. “Aumenta o uso de uma ferramenta muito precarizante”, diz.
Para Daniel S. Mayor Fabre, a prática cria a possibilidade de que uma imensa gama de trabalhadores possam ser contratados por um salário menor que o piso nacional, que já é considerado baixo pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos (Dieese).
“Nada garante que o trabalhador conseguirá outro emprego no restante do dia para ter uma renda digna, ou mesmo que tenha forças físicas e saúde para cumprir outra jornada”, completa.
Estímulo ao trabalho temporário
A lei amplia o trabalho temporário de 90 para 120 dias, renováveis por mais 120. Na prática, assim como a jornada em tempo parcial, ele estimula esse tipo de contratação.
“O temporário já é uma condição de trabalho eminentemente precário”, afirma o advogado.
“Por trás dessa reformulação do contrato temporário e por tempo parcial a ideia é que estas formas de contratação se tornem mais vantajosas ao empregador”, Daniel S. Mayor Fabre. O problema é que essas são justamente as piores formas de contratação para o empregado.
Representação sindical
Em uma espécie de compensação às avessas, a lei assegura a eleição de um representante dos trabalhadores no local de trabalho. Mas não estabelece critérios que de fato trariam benefício aos empregado. Segundo o projeto, o representante não necessita ter filiação sindical, por exemplo. “Isso vai abrir espaço para que as empresas, os patrões, possam usar de artifícios para escolher esses representantes”, pontua Vagner Freitas. “O representante tem de vir da base, escolhido por seus companheiros e companheiras de trabalho. Do jeito que o governo quer isso poderá, ao contrário, ser feito à revelia do sindicato”, afirmou o presidente da CUT.
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