Saúde sob ameaça

Relator da ONU alerta sobre riscos graves do PL do Veneno

Esforço de senadores e pressão da sociedade organizada freiam votação do projeto que flexibiliza regras para aprovar agrotóxicos
Relator da ONU alerta sobre riscos graves do PL do Veneno

Foto: EBC

Por insistência da bancada do PT no Senado, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para Tóxicos e Direitos Humanos, Marcos Orellana, foi ouvido nesta terça-feira (22) pela Comissão de Agricultura (CRA) sobre o projeto (PL 1.459/2022) que facilita a liberação de agrotóxicos no país. E a mensagem de Orellana foi clara: os direitos humanos e a proteção do meio ambiente correm riscos graves com a aprovação do PL do Veneno.

Em participação virtual, Orellana alertou que, diferentemente do que se acreditava há 50 anos, o meio ambiente não tem conseguido absorver e superar a ação dos agrotóxicos sintéticos. “A persistência dos químicos [no meio ambiente] superou os limites seguros para a humanidade”. Como lembrou o relator da ONU, no mundo todo “cresce o apoio a uma agricultura em harmonia com a natureza” e a aprovação do projeto dos agrotóxicos faria o Brasil andar na direção contrária.

Já está. Desde o início do governo Bolsonaro, foram aprovados 1.801 novos rótulos de veneno para plantações e cerca de 50% têm ingredientes ativos proibidos na União Europeia, o que pode agravar a relação comercial com esse continente. As principais plantações afetadas são as de milho, soja, algodão e cana-de-açúcar.

A pretexto de atualizar a legislação sobre produção, embalagem, rotulagem, transporte, armazenamento e outros aspectos do setor, o projeto retira autonomia de órgãos da Saúde (Anvisa) e do Meio Ambiente (Ibama) na análise dos pedidos de aprovação de venenos e transfere essa incumbência ao Ministério da Agricultura. A mudança foi criticada pela senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que defende a abordagem do tema sob a ótica da saúde.

“A Anvisa é o órgão responsável pela saúde pública. Quer dizer que para liberar um medicamento comum precisa da Anvisa, mas para o agrotóxico, que tem efeitos na saúde humana a curto, médio e longo prazos, nós vamos tirar a Anvisa?”, questionou a senadora, que rebateu argumento de ruralistas críticos da demora atual para liberação desses produtos: “Se faltam profissionais nessa análise, então o remédio não é afastar a Anvisa. Vamos cobrar do Estado, se faltam técnicos”.

Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária afirmou que o projeto em discussão na CRA atenta contra a qualidade da avaliação técnico-científica e contra a segurança no uso desses produtos. “O resultado desta regulamentação e inação recairá sobre a população e meio ambiente cujos interesses claramente não estão representados”, diz o texto.

Representante da Anvisa, a gerente de monitoramento e avaliação de risco, Adriana Pottier, salientou que o órgão defende a inovação, mas reforçou que o projeto reduz a segurança na liberação e uso de agrotóxicos. Dois dos pontos mais criticados são o que permite registro provisório de um rótulo e o que impede a liberação de um produto apenas em casos de risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente.

Pressão

Os próximos dias serão vitais para a resistência a essas mudanças na legislação, que dependem de votação na CRA. Havia receio de que o projeto pudesse ser posto em votação logo depois da audiência pública. Isso porque, desde o início do ano, o assunto teve seu rito acelerado no Congresso por pressão da bancada ruralista. Após aprovação relâmpago, em fevereiro, na Câmara dos Deputados, no Senado o projeto foi distribuído apenas para a CRA — controlada por ruralistas —, mesmo sob forte protesto de organizações e das bancadas de oposição. Essa tramitação restrita foi igualmente criticada por Marcos Orellana, que, a exemplo dos senadores do PT, defende o debate mais amplo, pelo menos envolvendo a Comissão de Direitos Humanos (CDH) e a Comissão de Meio Ambiente (CMA).

“É motivo de preocupação, porque os pesticidas não são apenas para o cultivo, eles também geram impactos na saúde, no meio ambiente e definitivamente dizem respeito ao gozo dos direitos humanos”, alertou.

Dados do Ministério da Saúde, replicados em nota técnica da Liderança do PT no Senado, apontam que 26 pessoas são intoxicadas por dia no país. E um estudo de pesquisadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela que, para cada dólar gasto com agrotóxicos, até US$ 1,28 são gastos com despesas médicas e licenças de trabalho. Enquanto isso, a indústria de agrotóxicos recebe isenções fiscais anuais que chegam a US$ 400 milhões no Brasil.

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