Relator do impeachment encontrou provas onde não há, por paixão política

Relator do impeachment encontrou provas onde não há, por paixão política

Para legalistas, estamos prestes a assistir à concretização de um golpeOito senadores manifestaram sua posição contrária à cassação do mandato da presidenta Dilma Rousseff na Comissão Especial do Impeachment nesta quarta-feira (3), durante a discussão de Antônio Anastasia (PSDB-MG) sobre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Todos deixaram claro que o processo é nada menos que um golpe. “Um golpe manso, branco, sorrateiro e sofisticado”, como definiu a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Mas, ainda assim, um golpe, já que os que defendem o afastamento da presidenta eleita não conseguiram comprovar dolo ou crime. 

O advogado da defesa, José Eduardo Cardozo, preferiu a elegância e partiu para a ironia: “O relator, Antônio Anastasia, não conseguiu se desvencilhar de seu partido e, por paixão, encontrou provas onde não há”, disse. A falta de isenção do relator para elaborar um parecer isento foi criticada diretamente pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Embora admitindo que Anastasia fez um bom trabalho, a senadora deixou claro que o relatório cria figuras jurídicas e parte de premissas equivocadas. Portanto, chega também a conclusões equivocadas. “Quem levar isso adiante vai levar para o resto da vida o carimbo de que ajudou a dar um golpe num governo democrático”, alertou. 

“Aqui, há dois tipos de senadores: os que sabem que não houve crime de responsabilidade e que vão votar contra o impeachment, e os que sabem que não há crime de responsabilidade e, mesmo assim, vão votar a favor do impeachment, por outras razões, por razões políticas, pelo conjunto da obra”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE). Ele destacou que a prerrogativa de escolher o presidente da República é do eleitor e que isso não pode ser alterado por qualquer argumento menor, como a perda de apoio político. 

“A principal razão (para o impeachment) está aí no que vemos no dia a dia: eles não querem e não aceitam que o Brasil possa dar um tratamento social diferente ao seu povo: no Ministério da Educação, acaba com o Ciência sem Fronteira, acaba com o Pronatec, quer universidade privada; no Ministério da Saúde, acabou o Programa de Saúde Bucal; recurso só sai se houver superávit primário para melhorar o atendimento. É isso! Tira o Bolsa Família. É isso que está em jogo aqui”, denunciou Humberto. 

Ex-ministra da Agricultura, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) disse que o grande problema do governo Dilma foi ter em seus calcanhares “a irresponsabilidade e o mau-caratismo do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, que, enfezado por ter sido descoberto e ficado nu, descontou nela [a presidenta] os três votos que o PT não deu a ele, começando o seu processo de impeachment, o seu processo de afastamento”. Ela disse ainda que nem parte doo PMDB, nem o Centrão e nem o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tiveram preocupação com País. “Não se importaram com que o País virasse caco, desde que os cacos ficassem em suas mãos e sob o seu poder, não tiveram dó do País e nem das pessoas”, disse. 

“Não houve crime, mas a presidenta Dilma vai ser cassada de qualquer jeito porque esta é a vontade da maioria [da comissão] e o que aconteceu aqui não muda o voto de ninguém, porque a tomada de posições será por cunho político e todos já tinham uma opinião preconcebida”, disse Telmário Miranda (PDT-RR). 

Fátima Bezerra (PT-RN) lamentou que o processo golpista ameace a jovem democracia brasileira. “É bom lembrar que ela tem apenas 27 anos, se considerarmos como parâmetro a reconquista da democracia após o enfrentamento à ditadura militar. Portanto, a democracia brasileira ainda está em construção. As nossas instituições ainda estão sendo fortalecidas”, alertou. Sobre Dilma, a senadora lembrou que não pesa uma única acusação, nem mesmo uma investigação. ”O relatório do senador Anastasia, na verdade, quer condenar uma presidenta da República por atos corriqueiros, por atos que fazem parte da gestão pública, por atos que, com todo o respeito, ele mesmo praticou – isso já foi dito aqui –, quando era gestor, quando era governador do seu estado. Aliás, não só ele, mas a maioria dos gestores, por este País afora”, disse. 

Quebra de confiança 

A senadora Gleisi Hoffmann acusou o presidente interino, Michel Temer (PMDB-SP) de articular, conspirar e construir as bases para fazer o afastamento da presidenta.  “Eu pergunto ao Brasil: como confiar num Presidente interino como esse? Quem trai a sua companheira de chapa trairá o povo brasileiro – e já está fazendo isso. É ilegítimo, porque o programa que está colocando para cima do povo brasileiro é ilegítimo, não foi aprovado nas urnas. As urnas não aprovaram reforma da Previdência, não aprovaram reforma trabalhista, não aprovaram retirar dinheiro da saúde e da educação”, enumerou. 

O processo, segundo ela, tem ainda aspectos misóginos. “Os ataques chegaram a tal nível de agressão sexista que a ONU Mulheres divulgou uma nota dizendo que condenava a violência de gênero praticada contra a presidenta”, explicou Gleisi. 

Regina Sousa (PT-PI) recordou que o próprio Temer afirmou – ainda em março, quando o golpe começava a ser desenhado – que o impeachment era impensável porque geraria uma crise institucional. “O processo já estava andando, a conspiração também e ele[Temer] participava das reuniões lá no quartel-general da conspiração, na casa do [deputado] Heráclito Fortes (PSB-PI)”, disse. 

Regina lembrou ainda que muitos dos senadores que agora votam contra Dilma ou participam do governo provisório também ocuparam cargos no governo eleito. “Agora falam como se não tivessem nada a ver, gente que era ministro até a véspera da votação, gente que foi beijar a mão da presidenta na semana do 17 de abril”, disse. 

Nesta quinta-feira (4), às nove horas, a comissão volta a se reunir para votar o relatório de Anastasia. 

Giselle Chassot 

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