ARTIGO

Retrocesso no Campo, por Beto Faro

Proposta aprovada pela Câmara fragiliza regulação básica que garante interesses público e social nas áreas rurais

Alessandro Dantas

Retrocesso no Campo, por Beto Faro

Beto Faro manifestação preocpuação comproposta aprovada pelos deputados sobre regulação fundiária

Com o engajamento de segmentos ruralistas mais radicais, a Comissão de Agricultura do Senado aprovou no dia 21 passado, proposta de Lei que barbariza na flexibilização do reconhecimento, pela União, de títulos privados de grandes extensões de terras nas áreas de fronteira, historicamente concedidos pelos estados. O projeto, já aprovada na Câmara dos Deputados, é rejeitado pelo governo e pelo PT, e seguirá para deliberação em regime de urgência pelo plenário do Senado. A proposição integra a agenda ruralista que nos últimos anos tem escandalizado parte da sociedade pelas intenções de se violar regulações básicas que garantem os interesses público e social nas áreas rurais.

A Faixa de Fronteira, de 150 km de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, é considerada fundamental para a segurança nacional. Abrange 588 municípios distribuídos em 11 estados, representando cerca de 26,6% do território brasileiro. Pelo interesse à segurança nacional, desde 1850, por meio da Lei Imperial nº 601, essas terras pertencem à União. Mas esse fato não conseguiu impedir a transferência ilegítima da posse dessas terras pelos estados, conforme dito antes.

Para tentar remediar esse quadro de desordem fundiária, favorecedor da grilagem e outras deformações agrárias, várias legislações foram cridas ao longo do tempo visando permitir a ratificação dos títulos, pela União. Os beneficiários deveriam seguir critérios fixados pelo órgão fundiário, dentre os quais, o cumprimento da função social principalmente no caso das grandes propriedades. Por suposto, a ratificação em tela constitui uma liberalidade do poder público e não um direito dos agentes privados que ocupam essas terras.

Tomando-se um período histórico recente, pressões do MPF motivadas pelo fato de a União vir pagando bilhões em desapropriações nas áreas da fronteira, levaram ä edição pelo governo FHC, da Medida Provisória nº 1.803-1, de 1999. A MPV estabeleceu nova chance para a ratificação dos títulos dos imóveis na faixa de fronteira ao fixar prazo de 2 anos para a manifestação de interesse pelos “proprietários”. Observe-se que a simples formalização do pedido de ratificaçã0 pelo detentor do título, junto ao Incra, constituía a única exigência da Lei para a habilitá-lo ao respectivo processo de ratificação. Transcorrido o prazo dado para esse pedido, este veio a ser prorrogado para 31 de dezembro de 2001. O novo prazo foi objeto de nova prorrogação por meio da Lei nº 10.363, de 2001. Em seguida, a Lei nº 10.787, de 2003 deu mais prazo; depois, mais 3 anos, e a série de prorrogações para o simples ofício juto ao INCRA requerendo a ratificação seguiu até os anos recentes. Mas, os detentores de títulos das grandes propriedades simplesmente ignoraram. Vale ressaltar que os títulos das pequenas e médias propriedades foram ratificados pelo Incra, de ofício. Eis que, neste momento, após ignorarem as inúmeras oportunidades de pleitearem as ratificações, as lideranças do setor apresentaram o projeto de Lei em referência que, na prática, nivela o processo de ratificação das mega propriedades aos das pequenas e médias. Pretendem que as grandes propriedades cumpram a função social, mediante a mera apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural que prova, apenas, que o imóvel está cadastrado no Sistema de Cadastro do INCRA. Pelo PL, a ratificação de grandes imóveis ocorrerá mesmo nos casos de superposição com terras indígenas com processos de demarcação em andamento. No extenso rol de absurdos o PL permite a regularização por meio de autodeclaração em substituição a certidões oficiais caso o órgão responsável não atenda em 15 dias. Propostas de criação de unidades de conservação ou áreas de proteção não serão impeditivas da ratificação. Em resumo, a proposição pretende transformar as faixas de fronteira do Brasil na fronteira da grilagem e de outras anomalias na posse e uso da terra no país.

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