O que esperar de um governo que chegou ao poder com a ajuda de fake news disparadas massivamente pela internet, como denunciado pela Folha de S. Paulo ainda antes do segundo turno das eleições de 2018? Tudo menos a verdade. Desde que tomou posse, Jair Bolsonaro lançou mão da estratégia de usar os meios digitais para propagar mentiras e atacar adversários, contando com um conjunto de estratégias que vai de mensagens viralizadas por robôs a influenciadores sempre prontos a repetir as mentiras do atual presidente.
A essa grande e articulada estrutura, deu-se o nome de Gabinete do Ódio, que acabou gerando uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI das Fake News, e uma investigação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que já levou à prisão alguns desses influenciadores. Desde a chegada da Covid-19, essa rede da mentira se prestou a um papel ainda mais perverso. Como escreveu a Casa Civil no documento em que elenca os crimes do Executivo na pandemia, “o Governo Federal fabricou e disseminou fake news sobre a pandemia por intermédio do seu gabinete do ódio”.
Depois de decidir que tentaria implementar a imunidade de rebanho sem vacinação no país, Bolsonaro precisava convencer os brasileiros de que, inevitavelmente, 60% ou 70% da população seria infectada. Para isso, lançou mão de uma estratégia combinada. Enquanto ele assumia o papel de garoto propaganda do negacionismo, como mostramos na primeira matéria desta série Réu confesso, as redes sociais se encarregavam de fortalecer seu discurso enganador, que provocou centenas de milhares de mortes.
Há vários exemplos de como essa ação combinada funcionou. Um deles ocorreu em 24 de março de 2020, quando Jair Bolsonaro fez seu primeiro pronunciamento oficial à nação após o início da pandemia. Nele, adotou um discurso contrário ao que defendia o Ministério da Saúde, chamou a Covid-19 de “gripezinha” e disse que o país não podia parar, lema de uma campanha que lançaria dias depois.
Imediatamente após a fala de Bolsonaro, as redes sociais foram invadidas pelas hashtags #OBrasilNãoPodeParar e #BolsonaroTemRazão, que se tornaram alguns dos assuntos mais postados no Twitter, como revelou reportagem da Agência Pública. Ao lado dessas expressões, outras eram turbinadas pela estrutura digital do governo: #ImpeachmentDoria, #ImpeachmentWitzel e #ForaMandetta. O ataque a governadores, aliás, foi uma constante, como ocorreu com o governador do Piauí, Wellington Dias (PT).
Outro exemplo ocorreu após o STF dar a governadores e prefeitos o direito de adotar medidas de combate ao novo coronavírus, definindo que a prevenção à Covid-19 deveria ser realizada pelos governos federal, estaduais e municipais. Bolsonaro, então, passou a dizer, de forma mentirosa, que a decisão o impedia de agir. “O Supremo Tribunal Federal disse que os estados e municípios é que tinham de conduzir as medidas de combate ao vírus. A nós, quase que exclusivamente, cabia apenas jogar recursos para lá”, afirmou em live pela internet em 25 de junho de 2020. Nos dias seguintes, as redes sociais bolsonaristas foram invadidas por mensagens que repetiam a informação falsa.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE), membro suplente da CPI da Covid, explica que Bolsonaro não lançou uma campanha de educação da população porque decidiu implementar a imunidade de rebanho a partir de suas falas, ampliadas pelo Gabinete do Ódio nas redes. “A não veiculação (de uma campanha educativa) por meios de difusão abertos, ou seja, canais de televisão aberta, grandes meios de comunicação, foi uma estratégia para que só a opinião dele fosse difundida”, esclarece Carvalho.
Para o senador, a CPI da Covid precisa investigar também o uso de recursos públicos em prol da desinformação e às custas de milhares de vidas. “Vamos descobrir como a opinião dele foi veiculada, usando dinheiro público, através de influencers e sites que chegam a determinados públicos que reforçam e reproduzem a teoria e a forma de pensar do presidente”, afirma.