Quando elaborou a lista de crimes do governo Bolsonaro que poderiam ser revelados na CPI da Covid, a Casa Civil da Presidência da República anotou como oitavo item: “O Governo entregou a gestão do Ministério da Saúde, durante a crise, a gestores não especializados (militarização do MS)”.
Como já mostrado nesta série Réu confesso, foi exatamente o que Jair Bolsonaro fez. Diante da resistência de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, ambos médicos, em assinar uma portaria recomendando o uso da cloroquina contra a Covid-19, o atual presidente colocou à frente da pasta o general Eduardo Pazuello, que assinou a portaria e não se opôs à estratégia de imunidade de rebanho sem vacina de Bolsonaro.
Chama especial atenção, porém, a anotação entre parênteses feita pela Casa Civil: “militarização do MS”. Esse detalhe deve mesmo preocupar os generais que trabalharam para que Bolsonaro chegasse ao poder e estão, desde então, ao seu lado na condução do país. A trágica gestão de Pazuello — que fez o número de mortos saltar de 15 mil para 290 mil, ignorou oportunidades de comprar vacinas, deixou faltar oxigênio para pacientes e saiu do cargo processado pelo Ministério Público Federal —, não é o erro de um homem só. É o fracasso de um governo altamente militarizado.
Depois, membros das Forças Armadas rapidamente ocuparam a Esplanada dos Ministérios. Em julho de 2020, já eram 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Na Saúde não foi diferente, e a chegada de Pazuello ao cargo de ministro fez com que o total de militares na pasta crescesse ainda mais. Nove meses depois da saída de Teich, eram mais de 20 somente na cúpula do ministério. O que aconteceu ali, portanto, é um claro resultado da gestão feita por militares, que respondiam a um presidente militar, que governa assessorado por militares.
A tragédia da pandemia fez com que Pazuello e seus assessores militares fossem retirados do ministério, em um claro movimento para conter os danos à imagem das Forças Armadas. Mas como já disse o vice-presidente Hamilton Mourão, também general, “se o governo Bolsonaro errar demais, a conta irá para as Forças Armadas”. E irá com justiça, afinal há uma clara corresponsabilidade entre o presidente e os generais que com ele governam.