Quando a pandemia de Covid-19 ainda estava no início, as principais autoridades em saúde pública do mundo recomendaram que os países reduzissem ao máximo a velocidade de proliferação do novo coronavírus enquanto cientistas corriam em busca de um tratamento ou vacina. Para colocar a estratégia em prática, três ações eram necessárias: orientar a população a se proteger (distanciamento social, uso de máscaras, lavagem constante das mãos); adotar de forma coordenada medidas de isolamento social, como o lockdown e a proibição de grandes eventos; e testar a população massivamente.
A terceira medida era crucial para que um país acompanhasse o avanço do vírus. Sabendo a dimensão exata da pandemia, com estatísticas confiáveis sobre o número de infectados e a taxa de transmissão, um governo poderia saber quais medidas tomar e a que momento. Documento de 4 de maio de de 2020 elaborado pela OCDE, grupo de países no qual Jair Bolsonaro tanto deseja ver o Brasil, afirmava que a testagem era fundamental para “qualquer plano de suspender as medidas de confinamento e para se preparar para novas ondas de infecção”.
Cinco dias depois da publicação desse documento, o Ministério da Saúde, então sob gestão do médico Nelson Teich, anunciou o Programa Diagnosticar para Cuidar, que prometia realizar 46 milhões de testes até o fim de 2020. Como explicou Teich ao depor na CPI da Covid, a iniciativa fazia parte de um projeto de controle de transmissão, que teria duas frentes: a avaliação do distanciamento e a testagem em massa.
O plano de Teich, no entanto, seguia o recomendado para salvar vidas. E isso não era o que Bolsonaro queria. Como já está mais que claro, o Planalto estava determinado a não adotar medidas de isolamento e deixar o vírus correr solto, buscando a imunidade de rebanho sem vacina. Poucas semanas depois, o médico seria substituído pelo general Eduardo Pazuello, que entrou para colocar em prática a política de Bolsonaro, que favorecia o inimigo e abandonava os protocolos necessários para reduzir o número de vítimas.
Não foi diferente com o plano de testagem. Embora o general tenha dito na CPI que os testes foram “um dos pilares do combate à pandemia”, os números mostram que essa foi apenas mais uma de suas mentiras contadas na Comissão Parlamentar de Inquérito. Segundo apuração do site Aos Fatos, com base em dados da Plataforma Localiza SUS, dos 46 milhões de testes que deveriam ter sido realizados até dezembro de 2020, só 31,4 milhões haviam sido feitos até a quarta-feira (19), dia em que Pazuello iniciou seu depoimento no Senado.
Testes perdidos
A falta de planejamento — ou simples descaso — foi tão grande que o ministério comprou testes sem adquirir os insumos necessários para aplicá-los, fazendo com que, em setembro de 2020, quase 10 milhões de testes permanecessem parados nos depósitos do governo. Mesmo com repetidas denúncias na imprensa e a extensão do prazo de validade dos testes, o governo Bolsonaro não resolveu o problema, fazendo com que 2,3 milhões acabassem perdidos.
Segundo um estudo da Fiocruz, divulgado em janeiro deste ano, a falha na testagem em massa no Brasil contribuiu para o aumento de casos graves da Covid-19 e dificultou as ações contra a doença nos estados. Mais um exemplo de como a gestão de Bolsonaro e seus ministros, especialmente de Pazuello neste caso, resultou em mortes que poderiam ser evitadas. E mais um exemplo de que o documento da Casa Civil que reúne 23 crimes do Executivo na pandemia está correto. No item 12 da lista, consta: “O Governo falhou na implementação da testagem (deixou vencer os testes)”. Inquestionável.