“O Governo não incentivou a adoção de medidas restritivas”, diz o item 3 da lista elaborada pela Casa Civil com as sabotagens colocadas em prática pelo governo Bolsonaro na pandemia. Como todos os demais pontos do documento, trata-se de uma afirmação irrefutável.
Medidas restritivas ou de isolamento social foram um dos pilares das estratégias de enfrentamento ao novo coronavírus de qualquer governo sério, ao lado de campanhas educativas e ajuda financeira a trabalhadores e empresas. Como não havia tratamento nem vacina contra a Covid-19, era necessário reduzir a transmissão, limitando o contato entre as pessoas.
Trabalho remoto, fechamento do comércio e lockdown eram as ferramentas disponíveis, mas Bolsonaro sempre as sabotou, seja por meio de declarações e do mau exemplo, seja por meio de ações judiciais. Quando governadores, na falta de uma coordenação nacional, começaram a tomar medidas restritivas localizadas, Bolsonaro não demorou a atacá-los, chamando as ações de exageradas e defendendo o chamado “isolamento vertical”, no qual só idosos ficariam em casa.
“Brevemente, o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nessa questão do coronavírus”, disse em entrevista à Rede Record em 22 de março de 2020. Nos dias seguintes, voltaria à carga diversas vezes. “O vírus está aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra”, disse uma semana depois, durante passeio por Brasília.
A estratégia do atual presidente sempre foi apresentar os governadores que seguiam as recomendações da ciência como pessoas que mentiam sobre a gravidade da pandemia para limitar a liberdade da população e impedi-la de trabalhar. “Ninguém vai tolher meu direito de ir e vir”, falou em outro passeio no qual provocou aglomeração, em 10 de abril. No 1º de Maio do primeiro ano de pandemia, jogou baixo: “Eu gostaria que todos voltassem a trabalhar, mas quem decide isso não sou eu, são os governadores e prefeitos”, acusou (veja mais declarações abaixo).
O não presidente
Com seu discurso, Bolsonaro se colocava como um não presidente, alguém a quem a pandemia não dizia respeito. Seu argumento era: a doença não é tão grave assim, logo não há motivos para medidas restritivas. E se a economia fosse prejudicada, a culpa seria de quem as adotou sem necessidade. Ao governo federal nada restava fazer, afinal, “o Estado está quebrado”. Tanto que, em janeiro de 2021, o atual presidente diria sem demonstrar constrangimento: “Eu não consigo fazer nada”.
Mas fez muito, só que para espalhar o vírus. Ao mesmo tempo em que dava declarações contra as medidas de isolamento, Bolsonaro ia à Justiça na tentativa de impedi-las. Em 20 de março de 2020, editou uma medida provisória que atribuía a ele mesmo a competência para definir o que seria considerado atividade essencial. Dessa forma, poderia ampliar a lista de estabelecimentos que permaneceriam abertos quando algum prefeito ou governador adotasse medidas restritivas.
Coube ao Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecer que o combate à pandemia cabia aos governos federal, estaduais e municipais, logo, o presidente não poderia impedir um governador ou prefeito de interromper o funcionamento de alguma atividade. Bolsonaro passou, então, a dizer de forma mentirosa que o Supremo o havia impedido de atuar na pandemia. Achou nessa mentira o argumento para fazer o que sempre planejou: não tomar medidas de contenção do vírus.
“Quem for fraco…”
A sabotagem contra o isolamento social é, talvez, a maior evidência de que Bolsonaro optou, logo no começo da pandemia, pela busca da imunidade de rebanho sem vacinação. Seu plano era deixar que o vírus se espalhasse, as pessoas ficassem imunizadas naturalmente e que centenas de milhares morressem — “paciência”.
O plano de Bolsonaro foi preservar a economia sem alterar a política neoliberal de Paulo Guedes, de Estado mínimo e investimento zero. E, para ele, tudo bem, afinal, só os “fracos” morreriam. Vale lembrar o que disse em 22 de maio de 2020, na saída do Palácio da Alvorada: “Quem tiver uma idade avançada e for fraco, se contrair o vírus, vai ter dificuldade. Quem tem doenças, comorbidades, também vai ter dificuldades. Esse pessoal que tem que ser isolado pela família, o Estado não tem como zelar por todo mundo, não”.