A CPI da Covid, no Senado, começa nesta semana a colher os primeiros depoimentos, ouvindo os ex-ministros da Saúde de Bolsonaro — Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello —, além do atual ocupante da pasta, Marcelo Queiroga, e do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres.
As audiências serão uma oportunidade de, entre outras coisas, explicar ao país por que Jair Bolsonaro defendeu tanto o uso da hidroxicloroquina e outras drogas sem eficácia, o famigerado Kit Covid. Hoje, já ficou claro que o atual presidente nunca se importou com o fato de os remédios funcionarem ou não contra o novo coronavírus. A principal função desses medicamentos sempre foi dar aos brasileiros uma falsa sensação de segurança.
Como já mostrado aqui na série Réu Confesso, Bolsonaro implementou a assassina estratégia de “imunização de rebanho”. Por isso precisava que a população acreditasse no engodo da cloroquina e não se protegesse em casa, ajudando-o a alcançar logo a meta de infectar “60% ou 70% das pessoas”, como não se cansou de repetir. Em outras palavras, a cloroquina era uma peça chave da propaganda negacionista posta em prática pelo atual presidente.
“Não vou manchar minha história”
Dessa maneira, Bolsonaro passou a pressionar o Ministério da Saúde para recomendar oficialmente o uso da cloroquina. O problema é que nem mesmo Luiz Henrique Mandetta nem Nelson Teich, médicos que aceitaram participar de um governo cuja política de saúde passava pelo desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) e pela extinção de programas como o Mais Médicos, quiseram sujar suas reputações recomendando um remédio sem eficácia e que, ainda por cima, representa riscos à saúde.
Assim, tanto Mandetta quanto Teich deixaram o cargo quando a pressão pela recomendação oficial da cloroquina ficou muito grande. E a exposição desse motivo preocupa o governo, tanto que a Casa Civil da Presidência da República, ao elaborar a lista de crimes pelos quais Bolsonaro poderia ser acusado na CPI da Covid, anotou, no item 21: “O Presidente Bolsonaro pressionou Mandetta e Teich para obrigá-los a defender o uso da Hidroxicloroquina”.
Ora, a pressão foi clara. Nelson Teich, ao deixar o governo após ficar menos de um mês no ministério, afirmou em entrevista ao jornal O Globo, em 24 de maio de 2020: “É óbvio que antecipar o uso da cloroquina teve peso (na minha saída). O presidente achava que era melhor antecipar, e eu achava que não”. Nove dias antes, ao sair do cargo, havia dito: “Não vou manchar a minha história por causa da cloroquina”.
Quatro meses mais tarde, em setembro de 2020, Mandetta lançou o livro Um paciente chamado Brasil, no qual expôs todo o plano de Bolsonaro para usar a cloroquina como armas da imunização de rebanho:
“Nunca na cabeça dele houve a preocupação de propor a cloroquina como um caminho de saúde. A preocupação dele era sempre ‘Vamos dar esse remédio porque, com essa caixinha de cloroquina na mão, os trabalhadores voltarão à ativa. (…) O projeto dele para combate à pandemia é dizer que o governo tem o remédio e quem tomar o remédio vai ficar bem. Só vai morrer quem ia morrer de qualquer maneira”.
Bolsonaro troca médico por general
Teich e Mandetta aceitaram conviver com os absurdos de Bolsonaro até chegar ao ponto em que precisaram escolher entre manter-se em um governo assassino e preservar a reputação como médicos. Percebendo isso, o presidente decidiu colocar à frente do Ministério da Saúde Eduardo Pazuello, que não é médico, mas um general que se mostrou disposto a ajudá-lo em sua política de morte.
Cinco dias apenas depois da saída de Teich, Pazuello, ainda como ministro interino, assinou um protocolo para ampliar a recomendação do uso da cloroquina por pacientes com Covid-19. A droga sem eficácia chegou a ser incluída no aplicativo oficial Trate-Cov, fato investigado pelo Ministério Público.
O resultado da gestão Pazuello, todos conhecem. No período que ficou à frente do Ministério da Saúde, o Brasil recusou a oferta de vacinas, assistiu a pacientes morrerem por falta de oxigênio, tornou-se incubadora de novas cepas e ameaça global, e viu o número de mortes por Covid-19 saltar de 15 mil para 290 mil, no dia de sua saída, em 19 de março deste ano.