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Réu confesso, crime 6: Mortes por asfixia em Manaus

Sobram indícios de que a morte de dezenas de pacientes por falta de oxigênio em Manaus, no início do ano, é um crime com as digitais de Bolsonaro e Pazuello
Réu confesso, crime 6: Mortes por asfixia em Manaus

Foto: Agência PT

Em 14 de janeiro passado, o Brasil se tornou manchete mundial quando pacientes com Covid-19 internados no Amazonas começaram a morrer asfixiados devido à falta de oxigênio medicinal nos hospitais do estado. Foram dias de sofrimento extremo para os doentes e seus familiares, que assistiam à morte dos parentes sem que nada pudesse ser feito para ajudá-los. Nos dois primeiros dias, 31 pessoas morreram somente na capital Manaus. Dezenas de outros faleceram nos dias seguintes e em outras cidades.

Não demoraram a surgir várias evidências de que o episódio era um crime com as digitais de Jair Bolsonaro e seus ministros, em especial do então responsável pela Saúde, general Eduardo Pazuello. Documentos que vieram a público nos dias seguintes mostraram que “o Governo retardou e negligenciou o enfrentamento à crise no Amazonas”, como escreveu a própria Casa Civil em tabela que lista os crimes do Executivo na pandemia e que deu origem a esta série Réu confesso.

A falta de oxigênio em Manaus foi uma tragédia anunciada, provocada por um governo que optou pela estratégia da “imunidade de rebanho” e, por isso, sabotou qualquer iniciativa de contenção do novo coronavírus. Em 23 de dezembro de 2020, após notar o aumento acelerado no número de casos e internações, o governador Wilson Lima (PSC) editou decreto para fechar as atividades não essenciais. Bolsonaro chamou a medida de absurda e Lima voltou atrás da decisão.

Com o comércio aberto, os hospitais continuaram enchendo, sobrecarregando o sistema de fornecimento de insumos. Em 7 de janeiro, a White Martins, empresa contratada pelo governo federal para fornecer oxigênio médico ao Amazonas, enviou e-mail ao Ministério da Saúde alertando sobre a iminente falta de oxigênio no estado caso nada fosse feito. No dia 11, em outro e-mail, a empresa requisitava a coronéis que trabalhavam no ministério “apoio logístico imediato” para transporte de oxigênio, solicitando o uso de caminhões do Exército para esse fim.

No lugar de oxigênio, cloroquina
Enquanto ignorava as mensagens, o governo federal pressionava as autoridades do estado a dar cloroquina aos pacientes. No dia 7, data do primeiro e-mail da White Martins, o ministério encaminhou ofício pressionando a Secretaria de Saúde de Manaus a utilizar “medicações antivirais” nos pacientes. “Aproveitamos a oportunidade para ressaltar a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde, tornando, dessa forma, inadmissível, diante da gravidade da situação de saúde em Manaus, a não adoção da referida orientação”, dizia a nota, referindo-se ao protocolo assinado por Pazuello após seus dois antecessores se recusarem a fazê-lo.

No dia 11, data do segundo e-mail, Pazuello chegou a Manaus para, entre outras medidas pontuais, lançar o aplicativo TrateCOV, criado para “auxiliar os profissionais de saúde na coleta de sintomas e sinais de pacientes visando aprimorar e agilizar os diagnósticos da Covid-19”. Após o médico cadastrar sintomas do paciente e comorbidades, a plataforma sugeria a prescrição de medicamentos como hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina, todas ineficazes contra a Covid-19. O então ministro voltou para Brasília no dia 13. Na manhã seguinte, pacientes começaram a morrer sem ar.

Investigado, Pazuello foge da CPI
Após a instalação, a CPI da Covid no Senado tomou como uma de suas primeiras medidas a convocação de Pazuello, que deveria ter sido ouvido nesta quarta-feira (5). Tremendo, literalmente, de medo, o general apresentou uma desculpa para não comparecer perante a Comissão Parlamentar de Inquérito. Seu depoimento, no qual poderá explicar por que não agiu para evitar essas dezenas de mortes, foi remarcado para o dia 19.

Não é só a CPI que investiga Pazuello. A pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a Polícia Federal a investigar se houve omissão do governo Bolsonaro no episódio de Manaus. No pedido, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que Pazuello tinha “dever legal e possibilidade de agir para mitigar os resultados”.

Já Bolsonaro, segundo parecer de juristas encomendado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), merece o impeachment por crime de responsabilidade, incluindo o de homicídio por omissão. O atual presidente gosta de usar a desculpa de que nada podia fazer, uma vez que o STF teria retirado do governo federal as atribuições de combate à pandemia. A desculpa esfarrapada já foi desmentida pelo próprio Supremo.

A verdade incontestável é que Pazuello foi colocado no Ministério da Saúde para que Bolsonaro tivesse um ministro que não resistisse à sua política de imunização de rebanho. Ao aceitar a missão, o general se tornou cúmplice do capitão no genocídio em curso, que já matou mais de 412 mil pessoas e tem no caso de Manaus um de seus episódios mais chocantes.

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