América Latina

Rogério: “Neoliberalismo não tem como dar certo em lugar nenhum”

O senador petista alerta que ao destruir o sistema de proteção social, a dupla Bolsonaro-Paulo Guedes retira o que resta de alento à população. "As pessoas estão minimamente protegidas por políticas que o PT implementou ou fortaleceu. Na hora que isso ruir, teremos uma comoção parecida com a do Chile"
Rogério: “Neoliberalismo não tem como dar certo em lugar nenhum”

Foto: Alessandro Dantas/ PT no Senado

No último domingo, as urnas de três países vizinhos confirmaram o que já vinham dizendo nas ruas as sociedades de diversos países latino-americanos: a maré do neoliberalismo está com os dias contados.

A massiva rejeição às políticas de arrocho neoliberal se expressou na acachapante eleição da chapa progressista de Alberto Fernández-Cristina Kirchner, na Argentina, na vitória da Frente Ampla no primeiro turno do pleito presidencial do Uruguai e na derrota dos conservadores na disputa pelas principais prefeituras da Colômbia—incluindo a capital, Bogotá, Cali e Medelín.

Para o senador Rogério Carvalho (SE), vice-líder do PT, não resta dúvida. A explosão das mobilizações populares no Chile e no Equador e os resultados eleitorais do último final de semana — que se somam à vitória de Evo Morales, na Bolívia, há 15 dias — atestam “o esgotamento do neoliberalismo na nossa região”, ainda que a o ritmo de mudança possa variar de país para país.

No Brasil, por exemplo, o senador considera inevitável a derrota das políticas de arrocho de Bolsonaro e Paulo Guedes. Ele lembra, porém, que ao investir na destruição do mínimo de proteção social — herdado da Constituição de 1988, fortalecido e aprofundado pelos governos petistas — é o atual governo está pondo lenha na fogueira armada sob seus pés.

“As pessoas ainda estão protegidas pelo Bolsa Família, pela aposentadoria rural, pelo BPC. Na hora que isso começar a ruir, vamos estar diante de uma profunda crise. É o que está acontecendo no Chile”.

PT no Senado – Como o senhor analisa o cenário recente na América Latina, diante das gigantescas manifestações no Equador e no Chile, dos resultados eleitorais na Bolívia, Argentina, Uruguai e Colômbia? Acabou maré ascendente do neoliberalismo?

Rogério Carvalho – É importante lembrar que alguns países, como o Chile, vinham experimentando essas políticas neoliberais há algumas décadas. Por outro lado, países que na década de 90 tiveram um neoliberalismo muito forte tinham conseguido vencer essa construção, que foi muito presente e destrutiva na Argentina, quase destruiu o Brasil — estivemos em risco de assistir à venda de todas as nossas riquezas — com o entreguismo e a formação de uma legião de novos bilionários.

Esse ciclo neoliberal da década de 90, porém, não foi duradouro. Foi sucedido por um período de Estado forte, que se materializou na garantia de direitos, nas políticas redistributivas. Tudo isso foi fundamental para que governos progressistas e voltados para as maiorias tivessem uma longevidade. Foram 13 anos de PT no Brasil, o Uruguai está indo pra 15 anos, a Bolívia está entrando no quarto mandato de Evo Morales.

O Chile era, até pouco tempo, considerado uma referência de modelo de desenvolvimento econômico. Na prática, estamos vendo que as desigualdades sociais vêm gerando muita instabilidade política e social naquele país, o que acende uma luz, para nós todos.

Da mesma forma, aquilo que era preconizado como a solução para resolver os problemas da Argentina, aprofundaram a crise econômica da Argentina. Da mesma forma, no Equador, onde a aposta econômica mais recente se apresentava como redenção, mas tem piorado o cenário econômico naquele país.

PT no Senado – Acabou a lua de mel da América Latina com o neoliberalismo? A segunda onda neoliberal está esgotada?

Rogério Carvalho – Essa onda neoliberal recente tem durado menos e tem conseguido se sustentar menos, porque não tem mais o que fazer, alguns países já não têm mais riquezas para entregar. A exploração já não tem mais base real para se sustentar, apesar da força da mídia, da força do mercado financeiro, da compra de lideranças políticas pelo poder econômico desses grupos que defendem o modelo neoliberal.

Apesar de tudo isso, a realidade tem se imposto na vida das pessoas e as pessoas têm reagido. Porque não tem mais o que tirar da grande maioria das populações desses países. O que resta tirar dos chilenos? Já foram retiradas a saúde pública, a educação pública, já foi retirada a previdência pública.

Alguns vão alegar que o salário mínimo no Chile é de US$ 400. Mas esse dinheiro é para pagar tudo. O resultado é que eles, na prática, ganham ainda menos que os brasileiros, que recebem US$ 250 de salário mínimo. Porque, de alguma forma, nós temos no Brasil uma rede de proteção social.

Ainda temos o caráter redistributivo da saúde e da educação públicas, da previdência — no  caso da previdência, é mais exato dizer que tínhamos esse componente redistributivo, pois já estamos caminhando para isso com a reforma recém-aprovada.

Então, as mobilizações populares e o fracasso nas urnas dos governos identificados com o neoliberalismo são o esgotamento de um modelo que se caracteriza pela desindustrialização, pelo desmonte das políticas distributivas e seus benefícios, da concentração das riquezas na mão do capital financeiro.

PT no Senado – É uma virada da maré política, então?

Rogério Carvalho – Não acredito que governos baseados nas premissas neoliberais vão se sustentar. Nem no Chile, nem no Brasil, nem no Equador nem em lugar nenhum. Como já não se sustentou na Argentina. Porque já não se tem mais o que tirar das pessoas.

PT no Senado – Como isso pode repercutir no Brasil? Qual é o maior desafio?

Rogério Carvalho – É preciso reinventar o modo de lidar com as dificuldades que o Estado tem tido para mobilizar a economia e reconstruir essa economia.

Eu acredito na reorganização das cadeias produtivas e na agregação de valor a essas cadeias. Nós precisamos construir uma base empresarial e industrial nova, a partir dos vazios que há nas nossas cadeias produtivas, que podem ter manufaturas agregadas, para que a gente aumente a cadeia de produção de riqueza localmente — essa é uma possibilidade.

Retomar o investimento na industrialização com um pé na nova geração: mais tecnológica, mais atual. Indústrias menores, pois hoje não é preciso ser uma grande indústria para ter capacidade de conquistar mercado externo, basta ter qualidade e rede de distribuição. Hoje, com as empresas que fazem conexão universal, é possível assegura que um negócio pequeno esteja presente em qualquer lugar do mundo.

Vamos aproveitar essa onda tecnológica e desenvolver uma nova base industrial de manufaturas no país, pra que a gente possa gerar riqueza e distribuição dessa riqueza.

PT no SenadoÉ possível contemplar inovação econômica sob um governo que está imbuído em ressuscitar o modelo da rapina colonial do Século 16 no Brasil?

Senador Rogério Carvalho – O Brasil ainda tem muita riqueza, ainda detém parte do sistema financeiro, da indústria de mineração, com a Petrobras à frente. Temos a maior rede integrada de distribuição de eletricidade do mundo, temos uma matriz energética moderna. Tudo isso os grandes grupos financeiros mundiais querem para eles.

Mas esse é um patrimônio que é capaz de fazer grandes investimentos e mobilizar a economia.

PT no Senado – Um patrimônio que está em risco, não só diante da sanha privatista, mas também do absoluto descaso com a preservação dos recursos naturais…

Rogério Carvalho – Sim, vemos a volta da lógica pré-Renascentista de que o planeta está a serviço do homem. É uma visão que sequer reconhece o conceito de sustentabilidade — conceito, aliás, que o Brasil, nos tempos dos governos petistas, ajudou a introduzir e consolidar.

Os governos petistas afirmaram globalmente que o Brasil precisava se desenvolver, não poderia congelar seus recursos naturais, mas que faria isso de maneira sustentável, respeitando o direito das futuras gerações também terem acesso às riquezas do nosso território.

Mas os neocolonizadores vão em outra direção. No Brasil há hoje vários “donatários de capitanias” que comandam seus senhores de engenho e seus capitães do mato.

Vários atores da maior relevância operam como capitães do mato. Um exemplo foi o processo de tramitação da reforma da Previdência — uma reforma para tirar dos mais pobres. Vi gente que parecia que estava entregando negros fugitivos aos senhores de engenho, como um prêmio.

Era como se estivessem se apresentando ao mercado e dizendo: “Meus Senhores, está aqui a riqueza que mais lhes interessa”— no caso uma montanha de poupança que será entregue ao mercado financeiro, do mesmo jeito que os fundos de previdência complementar.

Então, estamos diante de um neocolonialismo. Os representantes da Cortes hoje não têm nacionalidade, são os grandes conglomerados econômicos. A base de tudo é o dinheiro. Quem controla o dinheiro são os fundos de investimento, que são donos dos meios de produção e da vida das pessoas.

PT no Senado – Diante dessa lógica — que ignora a cidadania e reduz as pessoas a mera força de trabalho — , não seria de se esperar uma manifestação mais eloquente de insatisfação, aqui no Brasil? O senhor vê passividade na sociedade brasileira?

Senador Rogério Carvalho – Uma parte da sociedade tem clareza do que está ocorrendo e não está nada passiva. Alguns setores têm se mobilizado bastante.

Basta lembrar o movimento contra os cortes na Educação, que teve efeitos concretos, evitando que uma posição ideológica extremista destruísse nossas universidades públicas.

Outra parte está envergonhada. São pessoas que não conseguem sequer admitir que erraram. Porque erraram, sim, e vão agora pagar o maior preço pela reforma da Previdência.

E tem outra parte da sociedade que é movida pelo interesse momentâneo do ganho. É uma parcela minoritária, mas que influencia a opinião pública, amortecendo esse sentimento de insatisfação.

PT no Senado – Qual o fôlego da “teimosia envergonhada” e do ganho momentâneo da minoria?

Rogério Carvalho – Esta é a pergunta: “Por quanto tempo?”. Porque vai ter uma hora que as pessoas vão sentir o peso do desmonte que está em curso.

Desde a Constituição de 1988, e com mais força durante os governos petistas, o Brasil montou um sistema de proteção social muito poderoso. As pessoas ainda estão protegidas pelo que foi construído. Na hora que isso começar a ruir, vamos estar diante de uma profunda crise. É o que está acontecendo no Chile.

A população chilena cansou de não receber o que lhe foi prometido. Pelo contrário, o que ela recebe é empobrecimento, estagnação, sem esperança de ascensão social—ao contrário, os filhos são, em geral, mais pobres que os pais.

No Brasil, vai demorar um pouquinho para que se perceba os efeitos da reforma da Previdência. As pessoas ainda estão minimamente protegidas pelo Bolsa Família, pela aposentadoria rural, pelo BPC (Benefício de Prestação Continuada), por uma série de políticas que nós criamos e implementamos. Políticas que dão uma certa tranquilidade para a subsistência.

PT no Senado – É questão de tempo, então, para que a insatisfação se torne algo mais organizado?

Rogério Carvalho – Com o PT, a gente viveu um período de redução da pobreza, da miséria, da desigualdade. Mais de 40 milhões de pessoas chegaram à classe média, passaram a consumir. Parte dessas pessoas estão vendo essa melhora de vida se evaporar.

Mas, apesar dos indicadores muito negativos, as mudanças ainda não se refletem de maneira absoluta no cotidiano das pessoas. Exatamente por causa do Bolsa Família, do BPC, da correção da aposentadoria com base no salário mínimo — cuja política de valorização acabou se ser extinta.

Desde o golpe e, especialmente, desde a posse deste governo, é um tempo muito curto para que os reflexos de tudo o que está sendo destruído seja sentido pela população. Ainda mais com essa indústria midiática de manipulação da opinião.

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