A humanidade vive um dos momentos mais dramáticos de sua história. A pandemia de Covid-19 e a crise econômica projetam insegurança sobre o futuro da nossa civilização. À medida em que as mortes se avolumam, avolumam-se também os desempregados, os trabalhadores precarizados, os desassistidos de direitos e de serviços públicos, os pobres e os miseráveis.
Aumenta a desigualdade que separa quem pode praticar o isolamento e aqueles que são obrigados a arriscar suas vidas para sobreviver.
As cadeias produtivas estão desestruturadas. A recessão é profunda e se estenderá por vários anos.
No caso do Brasil, conduzido por um governo desumano e irresponsável, já se projeta queda do PIB, que poderá se aproximar de dois dígitos.
No campo político, a pandemia tem aprofundado o estresse das democracias, que se encontravam pressionadas pela desigualdade e pelo desemprego gerados pelo modelo neoliberal em crise. Por aqui, o governo parece apostar no medo e na morte para agredir as instituições e intentar um golpe que elimine resistências ao fascismo oficializado.
Vivenciamos crises que se retroalimentam: sanitária, econômica, social, democrática, ambiental e, também, uma profunda crise humanitária e civilizatória. Sobrevivemos num mundo irreconhecível, de espelhos quebrados.
Enganam-se, contudo, aqueles que consideram que essa é uma crise originada por um novo vírus. A causa última da crise está em seres humanos contaminados por velhas ideias e por políticas adoecidas. Na verdade, ela é causada pelo carcomido modelo neoliberal, associado à “financeirização” extrema do capital.
O capitalismo desregulado e “financeirizado” vem corroendo as bases econômicas, sociais e políticas das democracias. Não há democracia que se sustente sem distribuição de renda, Estado de bem-estar social robusto, classe média numerosa e classes trabalhadoras plenas de direitos. Mas as políticas neoliberais que beneficiam uma pequena minoria, sob o pseudoargumento técnico de que são as escolhas possíveis, erodem os pilares fundamentais das democracias.
Vivemos a crise de um modelo insustentável: no que tange à estabilidade do crescimento, pois promove crises recorrentes; no que se refere à promoção do bem-estar social, uma vez que aumenta a desigualdade e a exclusão; no âmbito ambiental, já que cria a necessidade de um crescimento predatório e consumismo voraz. Mais grave ainda, insustentável no que se relaciona à democracia.
É essa insustentabilidade multidimensional que está na origem da presente crise. Precisamos não apenas de um novo governo, mas de outro modelo, que aponte para uma sociedade soberana, justa, solidária, sustentável, igualitária e profundamente democrática.
No início deste século, afirmávamos que “outro mundo é possível”. Combatíamos a ideia de que as únicas políticas viáveis eram as políticas neoliberais, opção ideológica travestida de ciência.
Agora, afirmamos que outro mundo é necessário, que outro Brasil é preciso.
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo