Rolezinho pelas Reformas do Sec. XXI – Por Fernando Pacheco

Após um junho quente, a temperatura das mobilizações sociais no Brasil parece que pode voltar a se elevar. De preferência contra a Copa, para desgastar o governo federal, como convocaram os colunistas de todos os grandes jornais comerciais brasileiros.

Tudo, entretanto, parecia fadado a se repetir Junho como farsa. Mais provável é que se repetisse o fiasco da “maior manifestação da história do Brasil”, convocada pelos Tucanonnymus para o dia 07 de Setembro de 2013.

Contudo, surgiu uma novidade.

Ao mesmo tempo em que fogem do calor das ruas, jovens paulistanos se coordenam para curtir, paquerar, “zoar” e fazer uma bagunça organizada, sem furtos ou roubos, dentro de Shopping Centers da Grande São Paulo. O Rolezinho, como são chamadas essas reuniões, é a febre do verão 2014 para jovens de 15 a 20 anos, a maioria na faixa de renda da Classe C e D, que vivem em bairros pobres e de classe média baixa e que deram um grito contra a invisibilidade social.

Em poucos dias, borbulharam os diagnósticos prêt-à-porter de urbanistas e sociólogos acerca das origens de tais movimentos: carência de espaços públicos de convivência, demanda por acesso à sociedade de consumo, novos paradigmas identitários geracionais, etc. No entanto, a consequência mais imediata e evidente dos Rolezinhos foi o embrutecimento da elite paulistana. Rasgando a fantasia, as administrações dos shoppings se dirigiram prontamente à justiça (sempre ela) que, em caráter liminar, decidiu: Rolezinho não pode. A força da presença daqueles jovens, em sua maioria negros e pardos, em um ambiente que há três décadas é o refúgio dos privilegiados, instou a elite a confessar que defende Apartheid social de fato, sem aspas.

Repetindo um roteiro muito comum no estado de São Paulo, o cumprimento da medida judicial se concretizou com a truculência que é peculiar à Polícia Militar. O ambiente criado pelos donos de shopping potencializou as convocatórias de novos passeios em massa, em todo o país, pois Rolezinho além de divertido é ilegal e subversivo. Nada mais atraente para um adolescente que luta por afirmação, seja de direitos, seja de identidade. De forma que há grande expectativa para os próximos eventos convocados e muitas conjecturas a respeito de seu caráter e conteúdo. Como sempre, o abuso da violência policial serve de catalisador para criar um novo movimento de massas.

O surgimento de uma nova conjuntura propícia a uma nova onda de mobilizações provocou duas reações distintas à esquerda e à direita. Imediatamente após o confronto de um Rolezinho com a polícia em um shopping de Itaquera e de vários jovens de periferia terem sido barrados pela “triagem” de um refinado centro comercial do Itaim Bibi, a rede de esquerda saiu em defesa do direito de ir e vir, legitimando os Rolezinhos e combatendo a postura racista. Dias depois, inicia-se um processo distinto de posicionamento público no outro lado da trincheira política. Colunistas conservadores começam a retratar os Rolezinhos como uma sequência das ações de junho e convocar a classe média alta a aderir, chegando a imaginar “Se alunos de bairros ricos (que não têm mais a ALN, a Polop, o partidão, nem ditadura, para protestar) decidirem aderir, vai ficar engraçado.”

É inegável que, daqui pra frente, o Rolezinho, para além de seu inegável papel lúdico e libertário, ganhará contornos políticos importantes. Para a esquerda, ele será ainda mais especial, pois é um coletivo composto justamente pelos segmentos que foram beneficiados pelas políticas públicas e pela grande onda de ascensão social iniciada em 2003. São setores com os quais a esquerda e o PT, especialmente, falharam em dialogar nos últimos anos.

São estudantes que ingressaram na universidade pelas cotas e pelo Prouni. São moradores de novos bairros e de casas do programa Minha Casa Minha Vida, mas que não se organizam em associações de bairro. São jovens trabalhadores não sindicalizados. O jovem que se engaja em Rolezinhos demonstra uma disposição e uma capacidade de organização típica dos segmentos que podem ser a vanguarda de grandes transformações sociais.

Espera-se que, desta vez, o PT e a esquerda percebam que é preciso organizar territorialmente a sua nova base social, mobilizá-la ao invés de se contentar com sua aprovação nas pesquisas quanti e qualitativas e oferecer respostas grandes temas que ela apresenta ao país, qual seja: os resistentes gargalos do nosso desenvolvimento.

A direita, claro, ganhou a possibilidade de organizar seu movimento #NaovaiterCopanoBrasil. As elites, guiadas pela grande imprensa, tentarão construir o nexo entre jovens pretos e pobres irem aos Shoppings para um “rolê” com sua exclusão dos Jogos da Copa que, por sua vez, supostamente desviariam recursos da saúde e educação, cuja qualidade eles também não desfrutam. Aí, com uma elite “solidária”, o óbvio será a tentativa de Rolezinhos contra a Copa, contra o Mais Médicos, contra a corrupção, contra a prisão domiciliar de Genoíno, o trabalho de José Dirceu etc.

Novamente, tentarão capturar o movimento para transformá-lo numa embalagem onde cabem todos os “protestos”.

Todavia, a coincidência histórica não poderia ser melhor, é um ano crucial para o Brasil, não apenas em razão das eleições de outubro. O ano da Copa no Brasil também é o ano em que serão lembrados os 50 anos do golpe militar que sustou o processo de mudanças do Governo Jango. E mais uma vez, o povo brasileiro encontra-se em uma encruzilhada de rumos históricos. Vamos dar os próximos passos para aprofundamento e consolidação da transformação do Brasil, realizando as Refomas de Base do Século XXI ou vamos ceder espaço ao discurso conservador que deseja ver restaurada a ordem do período neoliberal?

Em seu pronunciamento de fim de ano, a presidenta Dilma identificou, corretamente, que há uma campanha psicológica para enfraquecer a política econômica que manteve o país em pleno emprego após cinco anos de intensa crise mundial. Setores do PT já começam a perceber a necessidade de se preparar para o debate público e de mobilizar a sociedade em torno dos grandes temas durante 2014, como sintetizou bem a resolução da juventude do partido para o congresso de dezembro passado em que diz “É urgente realizar as reformas política, agrária, tributária, das comunicações, além de uma efetiva reforma popular do Estado brasileiro” .

Mais além, definitivamente se encontrou com o desafio posto para si neste quadrante histórico: “Junho revelou inequivocamente que o debate, a proposição e a organização em torno dos grandes temas do Brasil e a mobilização pelo desenvolvimento nacional, alicerçado em modernas ferramentas tecnológicas e articulação territorial para agir são as melhores respostas ao lado progressista e democrático da voz das ruas”. E, por fim, que “nosso desafio é superar uma dinâmica internista, cuja formulação política se circunscreve a discutir políticas específicas para os jovens brasileiros apresentada e disputada apenas em espaços de articulação juvenil”.

E a juventude do PT continua focada neste processo, como bem apontou o secretário Jefferson Lima em seu artigo sobre o Rolezinho, em que afirma que “O verdadeiro crime é a ausência de políticas sociais que incluam essa geração de jovens, que gerem oportunidades, emancipação e autonomia” . Essa que deve ser a preocupação da esquerda, como engajar esses jovens em um grande projeto nacional e evitar que estes sejam manipulados de forma oportunista pela direita.

Fernando Pacheco é coordenador de Relações Internacionais da Juventude do PT

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