O gabinete de transição mal começou os trabalhos e já recebeu dados caóticos da atual gestão Bolsonaro. A irresponsabilidade com as contas públicas passa por temas como suspeitas de fraude no Auxílio Brasil, identificação de 29 pontos de alto risco no governo, quase R$ 800 bilhões de gastos acima das regras fiscais a, até mesmo, consumos milionários no avião presidencial. O resultado de tamanha incompetência é refletido diariamente nos pratos vazios de milhões de pessoas no país.
A farra com recursos públicos dos últimos quatro anos, que inclui medidas eleitoreiras na tentativa fracassada de reeleger Bolsonaro, deixou cicatrizes graves no orçamento de 2023. Com isso, a população mais vulnerável acabou pagando o preço: programas sociais sofreram cortes que inviabilizam a execução de programas como o Farmácia Popular e até mesmo a compra de merenda.
O prejuízo para os mais pobres levou o governo eleito a se mobilizar para incluir o quanto antes os mais pobres no orçamento. O líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), por exemplo, tem atuado na articulação para aprovar com urgência a proposta de emenda à Constituição do Bolsa Família, que retira o benefício do teto de gastos e mantém o valor em R$ 600, além de permitir o valor extra de R$ 150 por criança até 6 anos de idade. Segundo o petista, esse é o mínimo para ajudar a acabar com a fome no Brasil – mal que afeta mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras.
O senador, no entanto, reforçou que o presidente eleito terá responsabilidade fiscal. “Lula tem comprometimento com as contas públicas. O novo governo vai propor planos de contenção de despesas independente da retirada do Bolsa Família das atuais regras fiscais”, complementou Paulo Rocha.
Na mesma linha, o senador eleito Wellington Dias (PT-PI) disse que é necessária uma alternativa para permitir ao país ter capacidade de cumprir com despesas básicas e mecanismos de sair da própria crise.
“O que vamos trabalhar, com muita responsabilidade, são metas para despesas, folhas de pagamento, custeio e a própria dívida, como já se praticou no Brasil. Ao mesmo tempo, garantir um superavit, de forma que o investimento seja do saldo das receitas maiores do que as despesas”, garantiu Wellington.
Integrantes do gabinete de transição têm se debruçado diariamente, desde a semana passada, sobre os dados do governo federal. O objetivo é levantar o panorama atual e ajudar o presidente eleito Lula a iniciar a nova gestão de forma eficiente. Boa parte da equipe, aliás, é formada por voluntários – ou seja, trabalham de forma gratuita.
Abaixo, confira alguns dos graves problemas identificados no governo Bolsonaro.
Auxílio Brasil investigado
No último dia 4, o Ministério da Cidadania publicou uma instrução normativa para dar início a uma investigação sobre benefícios pagos a famílias formadas por um único integrante cadastradas nos últimos 12 meses por meio do Cadastro Único (CadÚnico) de programas federais.
De acordo com reportagem do site UOL, o número de famílias unipessoais no cadastro, necessário para receber benefícios como o Auxílio Brasil, aumentou em 5 milhões em apenas 11 meses. A suspeita é que tenham acontecido vários desmembramentos fictícios de núcleos familiares para aumentar o valor recebido em um domicílio.
Apesar das suspeitas terem sido levantadas por estados e municípios desde o final do ano passado, o governo federal só agora resolveu abrir investigação, dias após o término das eleições.
No Twitter, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Humberto Costa, criticou a demora nas investigações. “O governo Bolsonaro esperou a eleição passar pra investigar irregularidades no Auxílio Brasil. […] Bolsonaro tentou de todas as formas usar a máquina pública para comprar votos, mas mesmo assim perdeu”, afirmou.
Pontos de alto risco no governo
O Tribunal de Contas da União (TCU) entregou, nesta semana, relatórios com diagnóstico sobre a administração federal. Os documentos mostram, entre outros, a lista os 29 pontos de alto risco do governo que apresentam vulnerabilidades a fraude, desperdício, abuso de autoridade, má gestão ou necessidade de mudanças profundas.
De acordo com o levantamento, entregue ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, os técnicos do TCU concluíram que o Ministério da Economia editou normas infralegais que restringiram o uso de importantes ferramentas tecnológicas. As medidas excluíram qualquer monitoramento e avaliação das transferências obrigatórias, que constituem a maior parte dos repasses federais na Saúde.
Ainda segundo os auditores do tribunal, 37% das obras do governo federal estão paralisadas, além de encontrarem riscos em áreas como educação, transporte, benefício assistencial, contratação pública, segurança cibernética, obras paralisadas, políticas públicas de inovação, qualidade e transparência dos dados governamentais.
Teto ‘furado’ em R$ 794,9 bilhões
Durante todos os anos de gestão, Bolsonaro desrespeitou o teto de gastos. Reportagem da BBC News Brasil mostrou que, entre 2019 e 2022, os gastos do governo Bolsonaro acima do teto somam R$ 794,9 bilhões. O levantamento foi feito pelo economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE).
Apesar do excesso de gastos, o governo federal não promoveu, em nenhum ano de gestão, um único aumento real do salário mínimo no país. Tal medida levou a Bancada do PT no Senado a atuar para tentar mudar este panorama. Entre os que apresentaram propostas neste sentido, estão os senadores Paulo Paim (PT-RS) e Rogério Carvalho (PT-SE).
“Apresentei, em maio deste ano, o PL 1.231, projeto de lei que retoma a política nacional de valorização do salário mínimo, inflação mais PIB, extensiva aos aposentados e pensionistas. Mais dinheiro no bolso. Todos ganham: trabalhadores, aposentados, comerciantes”, explicou Paim.
Já Rogério Carvalho apresentou projetos para, além do reajuste do mínimo, garantir o pagamento do Bolsa Família em R$ 600 e a parcela adicional de R$ 150 por criança para as famílias que precisam. “Demos o 1º passo para o presidente Lula tirar as pessoas da fome”, disse o parlamentar.
Milhões em comida de avião
Jair Bolsonaro fez viagens com direito a alimentação de luxo no avião presidencial. Segundo levantamento do deputado federal Elias Vaz (PSB-GO), a conta, do início do mandato até agora, chega a R$3.580.320,06. Só de abril a 14 de novembro, o presidente gastou R$1 milhão com comida e bebida durante os voos.
Os gatos astronômicos incluem refeições prontas (almoço, jantar e café da manhã), bebidas, lanches (salgados e sanduíches), petiscos (castanhas, barras de cereais e frios), frutas, doces e gelo. Os dados são do Portal da Transparência.
A senadora eleita Teresa Leitão (PT-PE) fez duras críticas e lembrou até mesmo do caso dos R$ 15,6 milhões gastos pelas Forças Armadas em 2020 apenas com leite condensado. “Haja leite condensado no brioche pra justificar o gasto de R$ 76 mil mensais com alimentação de Bolsonaro nos aviões oficiais”, ironizou a parlamentar.