Uma das principais reivindicações das vítimas e familiares dos mortos e desaparecidos, porém, não será atendida: a revogação da Lei da Anistia. Tal missão jamais coube à CNV. O que está ao alcance da Comissão é recomendar a não aplicação da lei reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Os chefes militares, que sujaram as instituições militares ao participar direta ou indiretamente na tortura e no assassinato de adversários do regime, não são os únicos mencionados no documento. Dele, também fazem parte integrantes da igreja católica que apoiaram a repressão, atuando como delatores, assim como os que se colocaram em situação de risco ao defender perseguidos pelo regime, conforme conta o cientista social Anivaldo Padilha, pai do ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ele próprio um ex-perseguido da ditadura militar.
O relatório da comissão terá nomes dos delatores, antecipou Padilha em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, nesta segunda-feira (08). “Lideranças religiosas católicas e protestantes apoiaram o golpe e contribuíram em seguida”, disse ele ao jornal, acrescentando que, por acordo da Coordenação-geral da CNV, os nomes dos delatores só serão divulgados após a entrega do documento à presidenta Dilma Rousseff.
Militares
Segundo reportagem do jornal Valor, A CNV vai recomendar que todos os militares, notadamente os envolvidos em crimes contra os direitos humanos, sejam responsabilizados criminal e civilmente de acordo com as provas obtidas sobre cada um. Os militares serão citados no documento em três categorias: autores políticos institucionais (sem relação direta nos crimes mas com consciência do ocorrido); responsáveis pela gestão de órgãos, como os comandantes de quartéis; e autores diretos de crimes contra a humanidade – item em que estarão quase 200 agentes do Estado. Entre eles, serão encontrados nomes já conhecidos da galeria de repressores do regime, como, por exemplo, o general Newton Cruz, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), acusado pela morte do jornalista Alexandre von Baumgarten; o coronel Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi de São Paulo; Sebastião Moura, o Major Curió, denunciado pelo Ministério Público do Pará pelo sequestro de cinco pessoas na Guerrilha do Araguaia; e o falecido coronel Paulo Malhães, que assumiu participação na ocultação do corpo do deputado Rubens Paiva. Na outra ponta, os nomes de todos os presidentes do regime militar constarão na lista de autores políticos das violações.
“Nomeamos todos os presidentes militares pois eles sabiam da tortura”, disse Rosa Cardoso da Cunha, integrante da CNV, ao Valor. “Eles implantaram a ditadura com a tortura como técnica da estratégia do que diziam ser o combate contrarrevolucionário”.
Civis que participaram do regime também estarão nominalmente no documento, mas sem recomendação para punição. Neste grupo, serão responsabilizados pelas violações apenas agentes da Polícia Civil.
Três volumes
O relatório está dividido em três volumes, reunindo as conclusões de oito grupos de trabalho, com os seguintes nomes e objetivos:
Operação Condor
Pesquisa a cooperação internacional entre os órgãos de informação e contrainformação dos países da América Latina sob regimes ditatoriais, em especial a Operação Condor.
O Estado ditatorial-militar
Explica a estrutura, organização e dinâmica de funcionamento do aparato de repressão do estado ditatorial militar
Papel das igrejas durante a ditadura
Tenta esclarecer a participação de instituições religiosas cristãs e/ou de suas lideranças clérigas ou leigas, tanto no apoio a movimentos de resistência à ditadura, quanto na contribuição à repressão, analisando os fatos e as circunstâncias de graves violações de direitos humanos correlatos ao seu tema.
Perseguição a militares
Analisa a repressão sofrida por membros das forças armadas, por causa de seu posicionamento político-ideológico divergente da ditadura militar.
Violações de Direitos Humanos de brasileiros no exterior e de estrangeiros no Brasil
Este Grupo de Trabalho visa levantar informações sobre violações de direitos de brasileiros no exterior e de estrangeiros no Brasil, averiguando que tipo de violações sofreram, quais foram os órgãos e agentes envolvidos nessas violações, e de que forma se estruturava a rede externa de repressão no período.
O trecho mais polêmico do relatório é o capítulo que responsabiliza os autores dos atos de lesa humanidade. “São quase 400 militares citados mas tínhamos muito mais. Cortamos porque queríamos ter uma lista imbatível”, diz Rosa Cardoso da Cunha.
O relatório também não responsabilizará empresários, mesmo daqueles que financiaram ou tiveram notória relação com o aparelho repressor – como, por exemplo, os que financiaram a Operação Bandeirantes (Oban), ou os que bancaram as atividades ilegais do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad).
Rosa Cardoso diz que não houve tempo hábil para que a CNV avançasse na investigação das responsabilidades civis e criminais de empresários e espera que este trabalho seja feito pelo Ministério Público. “Há um legado pregresso quanto à questão [militar na ditadura] graças às vítimas e a comissões anteriores. Mas sobre o envolvimento dos civis, o trabalho da Comissão da Verdade é pioneiro”, diz Rosa.
Nesta segundfa-feira, em São Paulo, sindicalistas entregarão à procuradora federal Eugenia Fávero, do grupo de justiça de transição do Ministério Público Federal, um relatório sobre a atuação de empresas na ditadura.
Anistia
Na série de recomendações que a Comissão Nacional da Verdade fará ao Estado brasileiro, em seu relatório final, só uma questão não teve unanimidade nas votações internas. Foi a que envolve a Lei da Anistia promulgada em 1979.
Dos sete integrantes do grupo, seis votaram a favor da proposta para que seja retirado o benefício da anistia ao agentes de Estado que cometeram graves violações de direitos humanos nos anos da ditadura. Eles recomendam que os autores de crimes como tortura, execução sumária e desaparecimento forçado, sejam responsabilizados nas áreas cível, criminal e administrativa.
Com informações dos jornais Valor Econômico e O Estado de S.Paulo