Apesar de precisar mais do que nunca de um ministro e um plano estratégico para lidar com a maior crise sanitária dos últimos 50 anos, o Brasil está sem comando no Ministério da Saúde há dois meses. Nomeado ministro interino da pasta, o general Eduardo Pazuello foi propagandeado pelo governo como a escolha certa pelo seu conhecimento “excepcional” em logística e por “fazer e acontecer”. O que se viu, no entanto, foi o número de mortes mais do que quadruplicar no período, saltando de mais de 15 mil óbitos em 15 de maio – data da demissão de Nelson Teich da pasta -, para 72.234 nesta segunda-feira (13). Já o número de casos também indicam que o militar não está à altura do desafio: desde a saída de Teich, as infecções subiram de 220 mil para 1.867.841, de acordo com o balanço do consórcio de veículos de imprensa.
“O Brasil lidera há mais de um mês o ranking de mortos por coronavírus” lamentou a deputada federal e presidente do PT, Gleisi Hoffmann. “Nem a Índia, nem México, nem o repique do vírus nos Estados Unidos ameaçaram essa macabra liderança. O país completa 4 meses após a primeira vítima com 72 mil mortes. A Argentina, no mesmo período, teve 1.845 mortes”, observou Gleisi.
Pazuello também falhou em aumentar a entrega de testes em massa, fundamentais para que as autoridades saibam a real dimensão da doença e estabeleçam um plano de resposta para conter o avanço da pandemia. O governo prometeu 46 milhões de testes até setembro, divididos em testes moleculares (24 milhões) e testes rápidos (22 milhões). Até o momento, no entanto, foram distribuídos aos estados pouco mais de 12 milhões de kits, segundo reportagem da ‘ Folha de S. Paulo’. O cronograma inicial estabelecia 17 milhões de testes até o fim de maio. Mesmo com uma explosão de casos e subnotificações, o Brasil é um dos países que menos testa no mundo.
Segundo a ‘Agência Estado’ em maio, o então secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Wanderson de Oliveira, afirmou que o governo faria 70 mil exames de PCR por dia durante o mês de junho, previsto como o período “mais crítico da doença”. “Embora a projeção de mais casos tenha se confirmado, a rede de laboratórios centrais (Lacens) fechou o mês passado com média de 14,5 mil testes diários – ou 20,8% do previsto”, aponta a agência de notícias.
Ao ocupar o Ministério da Saúde com militares sem qualquer experiência no setor, o governo expôs as Forças Armadas, que tornaram-se alvo de críticas cada vez mais recorrentes. Nesta segunda-feira, os militares acusaram o golpe, ao reagir às declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. No fim de semana, Mendes afirmou que o Exército está se associando a um “genocídio”. “Nós não podemos mais tolerar essa situação que se passa com o Ministério da Saúde”, criticou, comentando a estratégia do governo de colocar no colo de governadores e prefeitos a responsabilidade da crise. “Se for essa a intenção, é preciso fazer alguma coisa. Isto é ruim, é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio”.
O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, se disse “indignado” com a fala de Mendes e, segundo apurou o ‘Estadão’, avalia, junto às Forças Armadas e à Advocacia-Geral da União (AGU), tomar medidas contra Mendes. O Ministério da Defesa publicou nota rebatendo a fala do ministro. “O Ministério da Defesa e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica repudiam veementemente a acusação apresentada pelo senhor Gilmar Mendes, contra o Exército Brasileiro”, diz a nota. “Comentários dessa natureza, completamente afastados dos fatos, causam indignação. Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana”, observaram os militares.
No domingo, com um tom mais brando, Gilmar Mendes, foi ao centro da questão, após manifestar-se, pelo twitter, em elogio às Forças Armadas por sua “fidelidade” à Constituição de 88: “não me furto, porém, a criticar a opção de ocupar o Ministério da Saúde predominantemente com militares. A política pública de saúde deve ser pensada e planejada por especialistas, dentro dos marcos constitucionais. Que isso seja revisto, para o bem das Forças Armadas e da saúde do Brasil”, concluiu o ministro.
Dinheiro parado
Mendes chamou a atenção para um fato que especialistas vêm apontando desde a saída de Henrique Mandetta da pasta da saúde, em abril: o ministério deveria ser comandado por alguém capaz de compreender as engrenagens do Sistema Único de Saúde (SUS) e coordenar ações integradas junto a governos estaduais e municípios. Sob Pazuello, a pasta não teve condições nem de executar o orçamento emergencial previsto para o combate à pandemia.
Segundo a Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento (Cofin), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), 66% do orçamento emergencial previsto ainda não foi repassado a estados e municípios. São R$ 25,7 bilhões, de um total de R$ 39 bilhões. O valor poderia ser aplicado na compra de respiradores e outros equipamentos necessários para o funcionamento das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) dos hospitais da rede pública.