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Sem mexer nos juros não há solução para a crise

Sem mexer nos juros não há solução para a crise

Foto: Alessandro Dantas

O debate sobre os juros no Brasil ganhou maior destaque com o artigo “Juros e conservadorismo intelectual”, publicado no Valor Econômico no dia 13 de janeiro pelo economista André Lara Rezende. O assunto mereceu, inclusive, repercussão em jornais e sites especializados. O autor levanta argumentos teóricos para questionar a política de juros no Brasil, que, em plena recessão, à beira de uma depressão, levou a aumentos reais da taxa básica pela manutenção da Selic no mesmo patamar, ao longo de quase todo o ano de 2016, agravando o quadro de endividamento.

As argumentações apresentadas pelo economista são interessantes por inverter a causalidade entre juros e inflação, mas peca pela simplificação, ao responsabilizar a política fiscal pelo (des)controle da inflação. Essa ideia não é nova e se soma a diversas outras que tentam culpar a política fiscal por todos os males da economia brasileira.

André Lara Rezende deixou de lado questões centrais de economia política em sua análise sobre as taxas de juros e as características específicas da inflação brasileira, que nos últimos anos apresentou três componentes básicos: preços administrados, choques de alimentos, de commodities em geral e de câmbio e alguma inflação de serviços. Os efeitos de choques se propagam em alguma medida, o que é esperado. Diversos estudos demonstram que esses componentes não são afetados pelas variações na taxa de juros, cuja determinação é definida por outros fatores.

[blockquote align=”none” author=””]O controle da inflação não pode impor custos fiscais à sociedade e transferir renda aos rentistas. A política monetária tem que ser separada da política fiscal.[/blockquote]

Esse debate, é preciso ressaltar, não pode deixar de levar em consideração uma das peculiaridades brasileiras, que é a forte indexação dos títulos públicos à taxa de juros básica, que deveria ser apenas o instrumento de controle da liquidez no sistema interbancário. A indexação formal vai além das Letras Financeiras do Tesouro (títulos indexados à taxa Selic), pois os demais títulos têm como referência a taxa Selic, exigindo remuneração no mínimo equivalente.

Tal distorção, além de impor custo fiscal devido às elevações da taxa básica de juros, leva a uma mudança no comportamento de diversos grupos econômicos, como empresários e grandes investidores institucionais, que têm a lucratividade dos seus ativos atrelada à Selic, minimizando assim o foco na produção e nos investimentos.

Faltou dizer também que a variação da taxa básica de juros tem um componente distributivo evidente, como ficou claro com a tentativa de redução da taxa de juros Selic de 2011 a 2013, quando atingiu o menor patamar real que o Brasil já teve. O Governo Dilma agiu de forma correta ao reduzir a taxa Selic para que pudesse haver uma queda dos juros cobrados pelos bancos em suas operações de crédito. Mas a gritaria contra essa política foi enorme. Não foram somente os banqueiros que não a suportaram. Todos os segmentos que se beneficiam do rentismo e das volumosas transferências de recursos públicos pelo pagamento de juros dos títulos púbicos rejeitaram aquela mudança.

Serão necessárias medidas legais para garantir que tenhamos um sistema semelhante ao de outros países: a taxa de juros básica da economia não pode indexar a remuneração dos títulos públicos. Só assim poderemos ter um debate honesto sobre as causas da inflação e saberemos quem quer, de fato, manter a inflação sob controle ou quer manter a rentabilidade dos seus ativos (títulos públicos). O controle da inflação não pode impor custos fiscais à sociedade e transferir renda aos rentistas. A política monetária tem que ser separada da política fiscal.

E aos que estão comemorando a queda da inflação, atentem-se: o paciente está sendo morto para curar a doença!

Reprodução autorizada mediante citação do site PT no Senado

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