O Senado aprovou nesta terça-feira (5) o projeto de lei (PL 261/2018) que cria o Marco Legal das Ferrovias, com definições técnicas para uso infralegal e novos instrumentos de outorga para ferrovias no domínio privado, tanto em nível federal quanto estadual e municipal. O texto, relatado pelo líder da Minoria, senador Jean Paul Prates (PT-RN), trouxe inovações como definições técnicas, princípios da política setorial e diretrizes da exploração econômica de ferrovias.
“É um marco seguro e moderno. Ao ampliarmos as formas de regular a exploração de ferrovias, estamos propiciando ao Estado brasileiro ferramentas de múltiplo uso, para qualquer que seja o ministro ou governo utilizar da melhor forma possível”, disse.
A autorização para a construção de novas ferrovias (conjunto infraestrutura + transporte ferroviário), principal novidade regulatória do projeto do senador José Serra (PSDB-SP), foi mantida. Nesse modelo, o poder público impõe uma série de restrições à atividade econômica da concessionária e, em contrapartida, reduz as incertezas econômicas de seu investimento.
“Ao autorizarmos a exploração de ferrovias, estamos, de fato, reconhecendo que há um grande espaço para que essa modalidade de outorga possa propiciar aos investidores uma maior latitude para conceber, viabilizar, construir e operar infraestrutura ferroviária também nos domínios do direito privado ao mesmo tempo em que se obrigam a assumir todos os investimentos e todos os riscos do negócio, e se sujeitam à regulação setorial aplicável”, afirmar Jean Paul.
A autorização para exploração de ferrovias por operadora ferroviária requerente ou selecionada mediante chamamento público deve ser formalizada por meio de contrato por prazo determinado que deverá ter duração de 25 a 99 anos. O texto também inclui a autorregulação, que poderá ser adotada voluntariamente pelas operadoras, reunidas em entidades associativas, para regular entre si o trânsito de pessoas e de mercadorias nas suas linhas férreas, cabendo ao governo dirimir os casos de conflito não conciliados consensualmente.
A autorregulação aplica-se apenas a questões técnicas e operacionais, não sendo cabível para tratar de questões econômicas relativas à atuação comercial. “Este projeto foi amplamente discutido com todos os agentes e usuários, o governo e reguladores de países com setores ferroviários recentemente modernizados. Esperamos, com ele, instrumentalizar qualquer governo para atrair novos investimentos, evitar a concentração e promover uma concorrência saudável que favoreça os usuários”, afirma o líder da Minoria.
Um outro avanço da proposta é a garantia da segurança jurídica para todos os envolvidos. O texto será valido para todo territorial nacional, evitando multiplicidade de regras em níveis estaduais. O projeto de lei original e a MP 1.065/2021 não garantiam essa segurança aos investidores e concessionários. “Esta lei propicia uma caixa de ferramentas regulatórias que qualquer governo ou ministro possa utilizar mais caixa de ferramentas regulatórias. Ele pode utilizar: mais intervencionista, menos intervencionista, mais atrativo, menos atrativo, mais controlado, menos controlado, para ferrovias troncais, para estruturantes, para acesso aos portos e para short lines, aquelas que vêm de uma fazendinha em que o cara quer fazer uma ferroviazinha para escoar o milho dele até uma troncal. Todos esses tipos de ferrovia estão passíveis de serem outorgados agora com este novo marco legal”, esclareceu o senador.
Jean Paul Prates lembra também que a proposta vai revitalizar as rodovias ociosas ou abandonas no país, como algumas de seu estado, Rio Grande do Norte. “Essas ferrovias poderão ser revitalizadas, mesmo que os trilhos não sejam aproveitados, o direito de passagem e a faixa de domínio já valeram um terço do investimento total de uma ferrovia nova”, explicou.
“Nesse setor ferroviário há muitas coisas dessas, que foram sendo deixadas do passado, legados de estatizações e privatizações, depois estatizações de novo, privatizações de novo, e esse negócio foi formando um bloco cheio de irregularidades, ou cheio de inconsistências regulatórias”, completou.
Regime de autorizações
O texto apresentado pelo relator estabelece condições para a migração de ferrovias atuais, a critério do regulador, do regime de concessões para o de autorizações, por período igual ao tempo restante da concessão, desde que o autorizatário pague pelo uso dos bens públicos necessários à realização do transporte.
Ainda de acordo com a proposta, a iniciativa privada poderá perder seu direito de exploração da atividade ferroviária no país por negligência, imperícia ou abandono, por transferência irregular da autorização ou por descumprimento reiterado dos compromissos assumidos.
Operações urbanísticas
O substitutivo permitirá a exploração do transporte ferroviário conjuntamente com a exploração imobiliária e comercial do entorno das estações, por meio da criação de shoppings, além de outras áreas comerciais e de escritórios ou de novos bairros verticalizados. Hoje, muitos países, como por exemplo o Japão, tem explorado o entorno de suas estações ferroviárias.
Em relação às desapropriações, elas vão depender da edição de um Decreto de Utilidade Pública pelo poder público, mas a operacionalização do processo fica a cargo do empreendedor privado.
Covid-19
Devido aos impactos financeiros causados pela pandemia, ficarão prorrogadas por 12 meses todas as obrigações não financeiras assumidas em decorrência das Leis nº 13.448, de 5 de junho de 2017, e nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, por concessionárias ferroviárias federais.
Também ficaram estabelecidos no texto alguns conceitos relativos ao setor como, por exemplo, o que é autorregulador ferroviário, ferrovia, infraestrutura ferroviária, instalações acessórias, instalações adjacentes, malha ferroviária, operadora ferroviária, material rodante, eentre outros.
Fique por dentro
A primeira estrada de ferro do Brasil foi construída pelo Barão de Mauá, mediante concessão do Imperador Pedro II. Em 1900, o país já contava com 15.000 quilômetros de ferrovias. Hoje, o subsistema ferroviário federal tem 29.755 km de extensão, sob o controle de três empresas privadas: a Vale, a Cosan e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). De acordo com a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), entre 1997 e 2019, as concessionárias privadas investiram mais de R$ 113 bilhões na malha concedida.
Dados da ANTF indicam que o setor agrícola, de extração vegetal e celulose, apresentou significativo crescimento da participação do transporte ferroviário de cargas nos últimos 14 anos (2006 a 2020). A tonelada transportada (TU) cresceu 5,04% ao ano, saindo de 42,45 milhões para 84,53 milhões de TU (99% entre 2006 e 2020). Em TKU, esse crescimento foi de 6,85% ao ano para o mesmo período. Dos principais produtos, a Soja/Farelo de Soja cresceu 3% ao ano em TU (4,7% em TKU), o Milho cresceu 18,5% ao ano em TU (21,5% em TKU) e o do Açúcar foi de 6,9% ao ano em TU (6,1% em TKU). Quanto à exportação pelo principal porto do país, 97% de toda a Soja/Farelo de Soja que chega no Porto de Santos é pelo modo ferroviário (era 77% em 2010), enquanto 93,5% para o Milho (58,5% em 2015) e 71,5% para o Açúcar (33% em 2010).