Senado debate federalismo em seu labirinto

Senado debate federalismo em seu labirinto
Especialistas em federalismo discutem nova
relação entre entes federados

Uma ampla discussão em torno dos desafios para se estabelecer uma nova forma de relação entre União, estados e municípios reuniu, nessa quarta-feira (27) diversos especialistas em federalismo na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O detabe foi uma iniciativa do presidente da CAE, Lindbergh Farias (PT-RJ). Entre os presentes, Bernard Appy, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda; Jader Joanelli, secretário de Fazenda do Mato Grosso do Sul; Andrea Calabi, secretário de Fazenda do estado de São Paulo; Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF); Fabiano Bastos, do BID e Fernando Rezende, organizador do livro “O Federalismo brasileiro em seu labirinto”, lançado após um dia inteiro de debates.

Lindbergh Farias, considerou o encontro proveitoso em todos os aspectos, principalmente porque o Senado está discutindo projetos que tratam dessa nova relação que se pretende estabelecer e a União e os entes federados. Entre os temas em debate, estão matérias como a que muda o indexador da dívida dos estados –  que estará na pauta na semana que vem – e, até mesmo, o projeto 386/2013 aprovado na tarde dessa quinta-feira pelo plenário do Senado que promove a reforma do Imposto sobre Serviços, o ISS.

Mas o pacote não para nesses dois projetos. Há, também, o que uniformiza as alíquotas do ICMS dos estados e a PEC 197 que estabelece uma nova distribuição do imposto aplicado nas operações do comércio eletrônico não presencial.

BID
O debate sobre o federalismo brasileiro, porém, não ficou restrito apenas à questão da redistribuição dos impostos entre a União, os estados e aos municípios. Fabiano Rodrigues Bastos, especialista em economia do BID, afirmou que o banco tem sido parceiro da União e dos estados na aplicação de programas destinados a melhorar a capacidade  arrecadatória, de um lado e, de outro, garantir controle e qualidade nos gastos públicos. “O tema federalismo é de difícil solução. Muitas vezes, achamos que dar um passo atrás significa a possibilidade de continuar caminhando. Temos a sensibilidade de que as mudanças podem ser implantadas politicamente”, afirmou.

IDP
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, consultor técnico do Instituto de Direito Público (IDP), disse que o Brasil é um país de vocação federativa, por mais que ao longo dos anos tenham se verificado tendências centralizantes. “Desde a Constituição de 1988, tivemos alguns tipos de desacertos e tensões, com a concentração de receita e de poder no âmbito da União, uma relação de dependência na medida em que as unidades federadas dependem do poder central sem uma relação institucional definida. Corremos o risco de submissão e distorção nesse processo”, afirmou.

Gilmar Mendes disse que nos últimos anos 20 leis foram declaradas institucionais, sendo que não houve mudanças na jurisprudência –  todas elas  relativas ao federalismo. O STF teve de decidir sobre os convênios firmados pelos estados sem aprovação unanime do Confaz e declarou ilegais aqueles concedidos à margem da lei. O STF também declarou inconstitucional a fórmula de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados, o FPE. “Nós temos no STF contenciosos que, do ponto de vista numérico, são assustadores. Cerca de 5 mil processos relacionados às questões federativas, conflitos entre estados e União e isso sinaliza que algo vai muito mal”, disse ele.

Gilmar Mendes reconheceu que alguns desses processos tratam de questões inexpressivas, como a inscrição no Cadastro de Inadimplentes, mas há outros como a dos indexadores da dívida dos estados.  Segundo ele, nos últimos anos a falta de solução institucional em ambiente próprio fez com que várias decisões que caberiam ao Parlamento ficassem a cargo do STF, que tem limites no seu processo decisório.

“O tempo judicial é diferente do tempo político. Algumas decisões decorrem da ação política e tem provocado desajuste, em função do próprio Senado como representante da federação. O piso salarial dos professores, discutido aqui, foi para o STF, que inicialmente concedeu liminar. Entendia-se por piso salarial toda a remuneração e na decisão de mérito mudou de entendimento. E vemos o Estado sem cumprir. Como o Senado aprova um ônus legal que impõe um ônus superlativo? Será que o Estado perdeu a capacidade de representar as unidades federadas?”, questionou.

O ministro do STF, apesar das críticas e dizer que os estados não reclamam da União por sua tendência de legislar de maneira exaustiva, a agenda federativa é importante e o Senado é a casa competente para conduzir esse debate.

Moderador
O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), que deverá ser o relator do projeto que muda o indexador da dívida dos estados e municípios na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), elogiou Lindbergh Farias pelo esforço para levar adiante no debate político as questões federativas. “Neste momento estamos envolvidos, e o senador Lindbergh tem conhecimento, com o projeto que trata da dívida dos estados e municípios renegociada na década de 1990 e que tem indexadores incompatíveis com taxas praticadas pelo Banco Central”, disse ele.

Segundo Eunício Oliveira, sempre que é instado a falar sobre o desequilíbrio federativo, pela complexidade do tema e para chegar ao fim da guerra fiscal, o Brasil teria de ser descoberto novamente, voltar à época da colonização para alterar a logística e a infraestrutura que revelou a desigualdade social brasileira. “Os governos tiveram que adotar medidas compensatórias para suprir a ausência de emprego e renda nas regiões Norte e Nordeste e é fundamental que tornemos mais democrática e republicana a divisão da riqueza, para o Brasil alcançar o equilíbrio no desenvolvimento regional e se torne igual para todos”, afirmou.

Federalismo
O economista Fernando Rezende, economista e professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape/FGV), disse, em sua apresentação,que o labirinto federativo é fantástico e, encontrar a saída, está cada vez mais complicado. “A saída depende de onde quer chegar e parece que a federação perdeu o rumo”, afirmou, mas observando que a crise do federalismo não é a única da história brasileira: “a novidade dessa crise é que, pela primeira vez, temos uma acentuada centralização do poder em plena democracia”.

Para o professor, o discurso do centralismo surgiu no Império e sua marca registrada aconteceu no governo de Getúlio Vargas. A descentralização se verificou de maneira efetiva na construção da Constituição cidadã de 1988, só que o exercício legislativo encurtou o espaço para que estados tivessem ou adotassem leis sobre a repartição do bolo tributário. A guerra fiscal é um sintoma disso, segundo ele, por ter agravado pela crise de representação e fragilizado os estados perante a União. “Hoje o que foi votado no legislativo estadual nada tem de importante e ninguém sabe dizer nada. O padrão de votação segue a agenda federal. E o que sobrou para os governadores foi a caneta para assinar convênios do ICMS”, comentou.

Fernando Rezende considera que a nova agenda do Estado privilegiou a convergência social, com a adoção de políticas para reduzir a disparidade de renda entre as famílias. Essa ênfase na redução das disparidades sociais entre as famílias, no entanto, significou parcial abandono para a redução das disparidades regionais. “A partir de 1990, interrompeu-se o processo de renda entre as duas coisas. Esse descompasso está na raiz do conflito regional. Essa multiplicidade de fatos que configura o labirinto leva à conclusão que a crise do federalismo não se resume à distribuição de receitas. Temos que discutir como a responsabilidade de cada ente será dividida”, afirmou.

Marcello Antunes

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