O Senado aprovou, na tarde desta terça-feira (19), a Medida Provisória 821/2018, que cria o ministério da Segurança Pública. O texto original da MP instituía uma pasta provisória para tratar das questões relativas ao tema. No entanto, o relator da proposta, senador Dário Berger (MDB-SC), mudou a formulação, dando caráter permanente ao novo ministério.
A bancada do PT votou a favor da MP, mas faz uma série de ressalvas à política de segurança pública de Temer. Para os senadores, um exemplo do equívoco é a intervenção federal no Rio de Janeiro, em vigor a 123 dias e incapaz de garantir um mínimo de tranquilidade à população ou mesmo elucidar um crime de alta repercussão internacional, como o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, crime ocorrido já durante a intervenção.
Outro ponto questionado pelos petistas diz respeito ao financiamento das políticas de Segurança Pública. “De pouco adianta aprovar criação de ministérios, apresentar propostas políticas em uma área onde o grande nó hoje é a falta de recursos”, ressaltou o líder da Oposição no Senado, Humberto Costa (PT-PE).
Marketing
“Segurança Pública não se resolve com a criação de fatos políticos. É um desafio que exige planejamento, maturação e visão de longo prazo”, quem alerta é José Eduardo Martins Cardozo, ex-ministro da Justiça no governo Dilma, falando com a experiência acumulada em mais de cinco anos à frente da pasta — o mais longevo do no cargo em todo o período democrático.
Desde sua edição, em 27 de fevereiro—11 dias após a decretação da intervenção federal no Rio — a Medida Provisória 821 resultou em pouco mais do que engrossar a jogada de marketing com a qual o governo Temer tenta responder à crescente violência em todo o País. A própria ideia original, de criar um ministério extraordinário, já sugeria que o governo imaginasse resolver o problema no curto prazo.
Em uma audiência pública realizada pela comissão mista (Câmara e Senado) que analisou a MP 821, em 10 de maio deste ano, o ex-ministro Cardozo já advertia que substituir as medidas efetivas pelo marketing em um tema tão sensível como a Segurança Pública era um tiro que poderia facilmente sair pela culatra: recorrer a uma medida pirotécnica para aplacar o clamor popular pode até ter um impacto imediato, mas de fôlego curto. “Em geral, o resultado é apenas perda de credibilidade”.
Pior possível
Cardozo ressalta que o Ministério da Justiça — pasta da qual estão sendo desmembradas as estruturas que compõem o novo Ministério da Segurança Pública — precisava mesmo de uma reestruturação, já que acumulava um leque muito amplo de atribuições. Tarefas como tratar das relações com Judiciário e Ministério Público em nome do Executivo, fazer a articulação federativa das ações de Segurança Pública, comandar a Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, administrar as penitenciárias federais, cuidar da defesa do consumidor, das políticas para estrangeiros, das fronteiras e da questão indígena estavam todas concentradas no MJ.
A mudança escolhida por Temer, porém, foi a pior possível, o ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff. “Foi feita para atender clamores do momento e receber aplausos imediatos”. O erro central do desmembramento do MJ e criação do Ministério da Segurança Pública é partir do pressuposto que segurança é só um “caso de polícia”.
Maturação e planejamento
“Além da polícia, Segurança Pública envolve Poder Judiciário, Ministério Público, sistema prisional e articulação com outras pastas responsáveis por políticas sociais”. Essas atribuições, lembra Cardozo, continuam sendo do Ministério da Justiça. Combate à criminalidade, ressalta, exigem coordenação entre aparato repressivo e políticas preventivas.
Dar respostas eficazes à demanda da sociedade, que quer o fim da insegurança e a contenção da criminalidade, exige maturação, planejamento e responsabilidade. Cardozo cita o trabalho minuciosamente planejado que resultou no programa “Brasil Mais Seguro”, implantado como projeto piloto pelo governo Dilma em Alagoas, então o mais violento do País. Em dois anos, os índices de criminalidade recuaram sensivelmente e o estado caiu para a sexta posição no mapa da violência.
Partilha de responsabilidades
“Não há como combater a criminalidade sem saber onde e por que ocorrem os crimes”, aponta o ex-ministro. Os homicídios associados ao tráfico de drogas, por exemplo, exigem uma abordagem diferente da requerida pelos latrocínios, crimes de encomenda ou outros tipos.
Para Cardozo, o combate à criminalidade exige mudanças em diversos planos. Ele defende a mudança da Constituição, para realizar uma partilha mais equânime de responsabilidades entre União, estados e municípios quanto à Segurança Pública— hoje essa é uma tarefa que cabe primordialmente aos estados. Sua gestão no MJ chegou a apresentar uma proposta ao Senado, que vem sendo ignorada desde o início do processo de impeachment.
Outro ponto a ser atacado é a questão prisional. “Organizações criminosas estão dentro dos presídios”. Nenhum plano que não reverta a escalada do encarceramento será eficaz, acredita ele. “O Brasil prende muito e prende mal”. Ao colocar na cadeia o condenado por um crime de menor gravidade, acaba fornecendo às organizações criminosas a mão de obra para ser recrutada e treinada para crimes mais graves.