Não faz sentido conceder um benefício a quem comete crimes em terras indígenas. É preciso, isso sim, cuidar da saúde e devolver o território aos yanomami. A defesa foi feita nesta quarta-feira (8) pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH). Em entrevista à TV Senado, Humberto Costa (PT-PE) criticou a ideia, debatida na véspera pela bancada de Roraima com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e o governador do estado, Antonio Denarium (PP), conhecido defensor da atividade de garimpo, inclusive em terras indígenas.
Por outro lado, Humberto Costa defende que o Senado acompanhe os trabalhos de desocupação das Terras Indígenas (TI) Yanomami, bem como a força-tarefa criada para socorrer e prestar assistência médica e social na região. São milhares de indígenas afetados por desnutrição e doenças resultantes da invasão das reservas. Estima-se que esse território yanomami esteja tomado por pelo menos 15 mil garimpeiros.
A Comissão Externa foi aprovada nesta quarta e os cinco senadores e três deputados convidados devem passar a quinta-feira (9) na região de Surucucu, a 270 quilômetros da capital, Boa Vista. A proposta partiu da bancada do estado, que em plenário demonstrou mais preocupação com os criminosos do que com os indígenas. Os senadores querem encontrar o ministro da Defesa, José Múcio, e cobram uma logística para a retirada dos garimpeiros, que eles não classificam como ilegais. Em plenário, Humberto Costa cobrou espaço para a CDH na comitiva e foi atendido. Ele e a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) devem viajar.
Ameaça a senadores
A tragédia yanomami foi denunciada há exatos 9 meses por outra comissão externa do Senado, coordenada por Humberto Costa. Em maio do ano passado, parlamentares foram a Roraima para audiências públicas com órgãos como Funai, Ministério Público (MP) e Polícia Federal (PF).
O problema, conta Humberto Costa, é que na época o governo Bolsonaro não forneceu as condições para o deslocamento da comitiva até as aldeias. Mas o que os senadores e deputados viram em Boa Vista já indicava a gravidade da situação, o que foi então denunciado pela CDH. Para piorar, os membros do Congresso foram xingados e ameaçados por um bando de garimpeiros.
“Havia uma multidão profundamente agressiva, não conseguimos chegar ao palácio do governo. O que encontramos foi uma resistência geral à PF e aos ministérios públicos federal (MPF) e estadual (MPE). Acho que a maior parte das autoridades de Roraima toleram e até estimulam a atividade do garimpo”, assinalou Humberto Costa, para quem a investigação atual não terá dificuldade para chegar aos responsáveis pelo financiamento e operacionalização do crime na região.
“Dizia-se à boca pequena quem financiava aquela atividade ilegal. Será necessário buscar as provas, mas é evidente a participação de empresários, de políticos e do crime organizado”, concluiu.
Entre os políticos condenados pode estar Bolsonaro. É o que espera Humberto Costa, diante das novas provas e evidências colhidas.
“Já tínhamos documentos que narravam a grave situação ao longo dos 4 anos de governo. Agora, as provas do abandono das unidades de prestação de assistência à saúde e do desvio de medicamentos demonstram, na minha opinião, que havia uma política deliberada para causar danos àquelas comunidades, o que significa crime de genocídio. É preciso responsabilizar aqueles que deram causa a esse quadro, inclusive o então presidente da República”, avaliou.
Processo internacional
Há três denúncias contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda. A mais recente foi apresentada em agosto pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e se baseia nos vários documentos legais editados por Bolsonaro contra os indígenas em quatro anos de governo.
“Uma política anti-indígena explícita, sistemática e intencional”, aponta a acusação, ao descrever que o ex-presidente transformou órgãos e políticas públicas criados para proteger os povos indígenas em ferramentas para perseguir e dizimar essa população.
Para Humberto Costa, que como membro da CPI da Covid encaminhou uma das ações contra Bolsonaro no TPI, esses processos têm tudo para avançar.
“Demos conhecimento ao Tribunal de Haia da postura do então presidente durante a pandemia, inclusive sobre a questão indígena. Acho que esses processos ganharam força com os últimos acontecimentos e as evidências já reveladas. É um processo complexo, mas se criam condições para a abertura de processo formal contra o ex-presidente da República e outras pessoas que deram causa a isso”, finalizou.