Em viagem para participar de reunião da OCDE, Serra apelou à polícia francesa para tentar conter protesto pacífico; alega ter se sentido ‘ameaçado’ (Foto: Frederic Pages)O ministro interino das Relações Exteriores, José Serra (PSDB-SP), pensou que podia pedir um favor ao amigo, o também ministro interino da Justiça, Alexandre Moraes, para descer a borracha em manifestantes contra o governo golpista do qual fazem parte. O problema é que Serra não estava em São Paulo. Isso seria fácil, fácil. Mas Serra estava em Paris. E lá, quando soube que brasileiros e franceses iriam denunciar o golpe, mandou uma cartinha – patética (veja a íntegra abaixo) – para membros da Organização de Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE) pedindo que a polícia francesa (Gendarmerie) rechaçasse quem, eventualmente, lhe criticasse e, quiçá, atirasse uma bolinha de papel. A Gendarmerie, a polícia francesa, ficou constrangida.
Serra está em Paris para participar de reunião da OCDE – da qual o Brasil é país convidado, mas não membro efetivo – tendo como único objetivo mostrar a “Ponte para o Abismo” de seu chefe interino, Michel Temer, em que pretendem privatizar tudo e mais um pouco do País, no seu estilo bem entreguista.
A jornalista, escritora e atriz brasileira Márcia Bechara, residente em Paris, denunciou em seu perfil no Facebook que José Serra teria chamado a polícia francesa para reprimir o protesto – previamente autorizado pela Gendarmerie, a polícia de lá. “Estou saindo neste momento da porta da OCDE onde um grupo de 40 brasileiros com bandeiras, cartazes e palavras de ordem gritamos contra o golpe no Brasil. Policiais franceses à paisana já nos esperavam em nossa chegada e não deixaram nos aproximar da entrada oficial do evento. Éramos 30 ou 40 pessoas no máximo”, explica.
“O covarde golpista pediu arrego para a polícia francesa. Duas brasileiras da organização que haviam pedido autorização para a manifestação de hoje receberam ontem à noite um telefonema da polícia francesa dizendo que ‘monsieur Serra’ estava se sentindo ameaçado”.
Segundo esclareceu em seu perfil, Bechara checou todas as informações publicadas com a organização do movimento. “Conversei com policiais à paisana também. O resto, conto de testemunho pessoal, eu estava lá”. “Policiais franceses visivelmente constrangidos nos disseram no final: “à la prochaine”. “Até a próxima”. Não tem arrego”. E afirmou, indignada: “É a primeira vez na vida que escuto falar de um político brasileiro que telefona para uma polícia estrangeira para reprimir movimento fora de seu país”.
Apesar disso, brasileiros não se intimidaram e saíram às ruas para protestar.
“Alguns de nós nem estávamos pensando em participar, mas depois dessa tentativa de nos calar, decidimos vir”, declarou uma brasileira que participou do protesto à Midia Ninja.
Leia a íntegra da carta:
Paris, 31 de maio de 2016
Senhor Secretário Geral,
Senhora Presidente da Reunião Ministerial Anual da OCDE,
Senhores membros dessa reunião de cúpula:
Nós, brasileiros residentes na França, membros do Movimento Democrático 18 de Março, preocupados com a crítica situação política e econômica pela qual passa o Brasil, conclamamos essa importante Organização Mundial a rever a participação do Senador brasileiro José Serra na Reunião Ministerial Anual da OCDE.
Esse Organismo tem entre seus membros as mais importantes democracias do mundo e em seus princípios, prega a importância de que os governos mantenham uma boa governança, em que as instituições e a regulamentação jurídica e administrativa estejam em pleno funcionamento.
Infelizmente, esse não é o caso do Brasil nos dias atuais. Nossa democracia foi duramente atingida por um golpe parlamentar, levado a cabo com o beneplácito do Superior Tribunal Federal, órgão máximo da justiça nacional.
A Presidenta Dilma Rousseff, eleita com mais de 54 milhões de votos, foi afastada de suas funções por um parlamento manchado por múltiplas e graves denúncias de corrupção e composto por parlamentares que defendem a ditadura militar, a homofobia, a misoginia e que, portanto, não podem ser considerados como membros de uma Democracia consolidada e moderna. Nossa Presidenta foi afastada de suas funções, mas não destituída. Assim, o Brasil tem hoje uma
Presidenta eleita e um vice-presidente (Michel Temer) que assumiu interinamente o governo, situação atípica e desestabilizadora de nossas instituições. O governo interino conta com baixíssimos índices de aprovação da população, mas se propõe a fazer profundas reformas na economia e na administração pública brasileiras, implantando um projeto ultraconservador que foi reprovado nas urnas em 2014.
O Senador José Serra, participante de primeira hora das articulações subterrâneas que levaram ao afastamento da Presidenta, assume interinamente o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, portanto, de forma ilegítima e pouco ética. O corpo ministerial de que faz parte, composto somente por homens brancos e oriundos da elite financeira do país, não tem o respaldo popular que o credencie a representar o Brasil nesta reunião.
Apenas doze dias após o início do governo interino de Michel Temer, o principal Ministro teve que renunciar por denúncias de corrupção e mais 6 ministros, sobre os quais pesam acusações, correm o risco de trilhar o mesmo caminho. O próprio vice-presidente tem contra si denúncias de participar do esquema de corrupção que ficou conhecido como “Lava-Jato”.
Temos, hoje, no Brasil um governo interino, ilegítimo e fragilizado. O Ministério da Cultura foi extinto e posteriormente recriado após a fortíssima pressão dos movimentos culturais e da população, mas continuam extintos os Ministérios da Mulher, da Igualdade Racial e de Direitos Humanos. Este último foi transformado em uma secretaria ligada ao Ministério da Justiça, hoje comandado pelo ex-secretário de Segurança do Estado de São Paulo, conhecido pelo altíssimo número de assassinatos cometidos por policiais e pela violenta repressão a manifestações populares durante sua gestão, com destaque para os estudantes que foram violentamente agredidos dentro de suas escolas quando protestavam contra a corrupção na compra da merenda escolar.
Dessa forma, conclamamos a OCDE a não aceitar entre os seus digníssimos membros um Ministro Interino e ilegítimo, de um governo que assumiu o país por meio de um Golpe Parlamentar, comprovado nos últimos dias por meio de escutas que revelam que entre os objetivos desse golpe estava impedir a continuação das investigações de corrupção no país.
Não é possível que um Ministro desse governo, que ataca a democracia, extingue ministérios das áreas sociais e diminui as verbas dos vários programas de inclusão criados nos últimos 14 anos (PROUNI, Ciência Sem Fronteiras, PRONATEC, Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, PRONAF etc), seja convidado a falar em um painel denominado “Desenvolvimento Inclusivo e Sustentável”.
Esse governo e esse Ministro não nos representam. Nas ruas do Brasil o povo reivindica a volta da Democracia, mesmo que nossos protestos sejam ignorados e escondidos pelas mídias pró-golpe, notadamente a Rede Globo.
Confiamos que os membros da OCDE, honrando sua tradição de mais de 50 anos, defendam a democracia e as instituições brasileiras, principalmente as mais importantes delas: o voto popular e a vontade do povo”.
Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações da Midia Ninja
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