A intenção já manifestada pelo presidente Jair Bolsonaro de interferir nas investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), se concretizada, caracteriza “crime de responsabilidade passível de impeachment”. O alerta é do professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano.
Entrevistado pela Rede Brasil Atual, Serrano analisou a ameaça de Bolsonaro de acionar o ministro da Justiça, Sérgio Moro e a Polícia Federal para que seja colhido novo depoimento da testemunha que citou a visita à casa do presidente, no Rio de janeiro, de um dos principais suspeitos do assassinato de Marielle, na véspera do crime.
Para o professor Serrano, as tentativas de interferir nas investigações são ainda mais graves do que o depoimento do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, onde Bolsonaro tem imóvel, atestando que a entrada do carro de Élcio Queiroz na propriedade foi autorizada por um ocupante da Casa 58, que pertence ao presidente.
Élcio Queiroz é apontado como principal suspeito do assassinato de um dos suspeitos do assassinato de Marielle, crime ocorrido no dia 14 de março de 2018.
O conteúdo do depoimento do porteiro foi divulgado pela imprensa na última terça-feira (29), o que levou Bolsonaro a postar um vídeo no Facebook insinuando a responsabilidade do — até recentemente aliado — governador do Rio de Wilson Witzel (PSC) no vazamento de informações da investigação. O presidente estava em Riade, na Arábia Saudita.
Pedro Serrano alerta que a intenção de envolver Sérgio Moro nas investigações “é muito mais grave”. A interferência na investigação, explica o professor, seria “conduta gravíssima, dolosa, implica obstaculizar investigação policial e utilizar a Polícia Federal para fins pessoais de defesa”. Ele ressalva que a mera cogitação de tomar a iniciativa não é crime, o que somente ocorreria em caso de efetivação da conduta.
O jurista também vê um possível cometimento de crimes de responsabilidade pelo governador Wilson Witzel. Bolsonaro disse, na manhã desta quarta-feira (30), em entrevista à Band News, que teria sido avisado há três semanas pelo governador do Rio de Janeiro sobre a citação de seu nome no processo que investiga a morte de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Witzel teria contado isso durante um encontro casual no dia 9 de outubro, no Rio de Janeiro. “Isso foi numa quarta-feira, há três ou quatro semanas, no Clube Naval, por volta das 21h”, declarou o presidente da República à Band News.
“De repente ele chegou, se surpreendeu comigo. Ele achava que eu sabia da patifaria que estava acontecendo e foi conversar comigo no canto. ‘Teve um problema, citaram seu nome (no caso Marielle), a história está assim, nós já enviamos ao processo (ao STF)’. Nós quem? Nós quem cara pálida, é atribuição de quem?”, disse Bolsonaro.
Em entrevista também na manhã desta quarta-feira, Witzel negou. “Eu jamais vazei qualquer tipo de documento. Sequer tive acesso a documentos que constam dessa investigação. E se esse documento vazou, como foi apresentado ontem (terça) numa emissora de televisão, que a Polícia Federal investigue e tome as providências.”
“O governador cometeu um crime grave se isso for verdade. Incorrendo na Lei de Organizações criminosas, obstaculizou investigação, não se pode vazar informação sigilosa. E cometeu crime de responsabilidade”, analisa Pedro Serrano. “Sou contra o uso banalizado do impeachment, tenho artigos escritos sobre isso, acho que deve ser usado em situações de emergência, mas é incrível como há um despudor no Brasil no cometimento de condutas graves pelas autoridades nesse momento, de forma nunca antes vista em nossa história”, avalia o professor de Direito Constitucional.
Pedro Serrano chama a atenção ainda para a inação das instituições que deveriam defender a democracia e o Estado de direito. “Veja o quanto se cogitou, e por nada, que governos anteriores tivessem feito supostas obstaculizações de Justiça. Agora temos concreta e publicamente práticas de obstaculização de Justiça, práticas de organização criminosas no governo e nada se faz”.
O jurista vê as instituições de fiscalização “acovardadas”, agindo com força apenas quando apoiadas pela grande mídia. “Na hora em que é preciso ter o mínimo de coragem para fazer o que eles são pagos para fazer, estão absolutamente inativos”, crítica Serrano. A Constituição e a democracia sucumbindo, e as instituições que têm o dever de protegê-las não fazendo nada. Os crimes e condutas ilícitas são passados na cara das instituições e elas não fazem nada.”
Para o professor de Direito Constitucional, é preciso discutir o papel das carreiras que agem de forma parcial e seletiva. “Em um futuro governo democrático precisamos tratar dessa questão. Nós precisamos revisar a estrutura das carreiras jurídicas no Brasil. Elas têm proteção constitucional e na hora que é necessário utilizá-las para realizar sua função, quando a democracia é ameaçada, não fazem nada. Não podem haver incrustadas no Estado carreiras com posição político-ideológica como estamos vendo. Que agem de forma seletiva, protegem a direita e atacam a esquerda. Isso é extremamente perigoso para qualquer governabilidade democrática”.
Com informações da Rede Brasil Atual