Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o deputado federal Eduardo Bolsonaro disse que “os EUA sempre foram o principal parceiro econômico do Brasil”, exceto em dois momentos. “Um nos anos 1930, quando o presidente Getúlio Vargas se aproximou de Hitler, e nós tivemos a Alemanha nazista como principal parceiro comercial do Brasil. E novamente agora, por razões ideológicas, a China, que desde 2009 é a principal parceira comercial do Brasil”, disse ele contrariando os fatos.
A afirmação obedece a lógica da “vontade” do alinhamento servil aos EUA, mas nada tem a ver com a realidade da diplomacia e do comércio exterior do Brasil. O comércio do Brasil com a China, entre 2003 e 2015, atingiu um total de US$ 311,9 bilhões, enquanto para os Estados Unidos chegou aos US$ 299,4 bilhões. A maior exportação para a China é resultado de um lado da ampliação do mercado consumidor chinês e, por outro, da capacidade empresarial e governamental brasileira de atender à demanda.
Os exemplos históricos citados pelo deputado Eduardo Bolsonaro desconhecem os números oficiais e a realidade mundial, suscetível a diferentes conjunturas sociais, econômicas e políticas. No período do Estado Novo, entre 1937 e 1945, as exportações brasileiras para os Estados Unidos cresceram de US$ 36,4 bilhões para US$ 49,4 bilhões. Já para a Europa inteira, ou seja, incluindo a Alemanha, por razões óbvias – uma guerra – caiu de US$ 49,4 bilhões para US$ 23 bilhões.
A conquista do mercado chinês teve início com o estabelecimento de relações diplomáticas do Brasil com a China, durante o governo do general Ernesto Geisel. Na época, as mesmas forças que hoje se alinham automaticamente aos Estados Unidos posicionaram-se contra a decisão de Geisel – por ser a China um “pais comunista”. Pragmático, o então presidente já considerava a China um parceiro comercial importante para o futuro da economia do país.
[blockquote align=”none” author=”Ernesto Geisel, na sua biografia organizada por Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, editada pela Fundação Getúlio Vargas.”]“O primeiro problema que tive (com a área militar) foi quando se resolveu reatar relações diplomáticas com a China, no começo do meu governo. Silveira tinha conversado sobre o assunto e, após analisá-lo, acabei concordando. O Frota (Silvio Frota) veio a mim, manifestar-se contrário: achava que não era conveniente. Outro que no começo também foi contrário foi o Henning, da Marinha. O Araripe, da Aeronáutica, era mais ou menos contra e chegou a conversar ligeiramente sobre o assunto. Todos traziam opiniões e o pensamento de escalões hierarquicamente inferiores. Reuni os três e lhes perguntei: “Por que nós não vamos reatar relações com a China?”. A resposta foi que a China era um país comunista. “Por que, então, vocês não vêm me propor romper relações com a Rússia?”. “Se vocês querem ser coerentes, então vamos cortar relações com a Rússia também e vamos nos isolar, vamos virar mesmo uma colônia dos Estados Unidos”.[/blockquote]
O crescimento das exportações nacionais ganharam impulso mais recentemente com as relações multilaterais no âmbito Sul-Sul, ou seja, com países da África, China e Índia, além dos países da América do Sul, Central e Caribe. Nesse período, o Brasil foi um dos principais protagonistas da criação de uma das grandes obras da moderna geopolítica mundial, o BRICS (Brasil – Rússia – Índia – China – África do Sul). Um articulação política, econômica e de mercados que transformou o Brasil em dos grandes players do comércio mundial.
Nesta semana, a senadora e presidenta do PT Gleisi Hoffman participou de reunião dos partidos do BRICS, na África do Sul, onde denunciou o golpe de Estado, a perseguição a Lula e o ataque ao papel do Brasil na construção do multilatelarismo. No evento, Gleisi também apresentou uma carta do presidente Lula alertando para a ameaça que o governo Bolsonaro representa não apenas ao Brasil, mas ao mundo. “Seu objetivo em política externa é desmanchar tudo que construímos com diálogo e cooperação, no âmbito da América Latina, com a África, com os BRICS e nas organizações internacionais”, denunciou Lula na carta.
Nos primeiros seis meses deste ano, 25% de tudo o que o Brasil exportou teve como destino a China, questionada pelo deputado Eduardo Bolsonaro e, provocativamente, comparada ao regime nazista. Alimentada pela demanda por soja, minério de ferro e petróleo, as exportações brasileiras para a China somaram US$ 26,9 bilhões de janeiro a junho. Isso significou um aumento de 36% em relação ao mesmo período do ano passado, contra 19% para o resto do mundo.